terça-feira, 29 de novembro de 2016

UM PEQUENO DRAMA SUBURBANO



“Sempre que te pergunto/que quando, onde e como/tu sempre me reponde / talvez, talvez, talvez/ e assim passam os dias /e eu desesperando/e tu me contestando/ talvez, talvez, talvez/estás perdendo o tempo/pensando, pensando/pelo que mais tu queiras/até quando?
 até quando?”

Tradução livre de Quizás , Quizás , Quizás de  autoria de Osvaldo Farrés .

Nos idos dos anos 60 do século passado, vizinho a residência de Chico Barrão, habitava um casal de idosos sem filhos que possuía um bom acervo de música latina, especialmente, por conta da turnê de 

Nat King Cole realizada naquela região do quintal da América do Norte.
 Aprendeu o menino Chico num portunhol esquisito, muito bolero na voz de veludo do dito cantor americano. Ali naquela rua de casas simples, vez por outra passava alguns dias com aquele solitário casal uma jovem morena de olhos verdes de nome Flor de Lis. Cresceu o dito garoto e nas muitas voltas do mundo, mudou de endereço, ficando colado na lousa da memória aquele divino pedaço de chão e seus dramas cotidianos.

Um belo dia, já longe no tempo, recebeu Chico Barrão em seu local de trabalho a visita de uma nova cliente. Uma senhora de 70 anos, morena, ainda guardando uns belos traços num rosto riscado por profundas rugas, marcas indeléveis da vida, trajando um vestido curto, deixando à mostra belas pernas torneadas e uma mimosa joia emoldurando seu tornozelo esquerdo. Um charme dengoso, sem dúvida.

Na ficha de identificação da cliente constava o nome Flor de Lis de tal. O nome de seu pai chamou minha atenção, pois tratava-se de uma figura conhecida nos meios intelectuais e boêmios da cidade. Chico Barrão, com pouco tato e confirmando seu curto juízo passou a relatar para a senhora cliente, meio atordoada, um fato ocorrido em sua meninice: tarde da noite acordou na sala de sua residência, cuja porta abria diretamente na calçada, e pelo postigo de uma janela assistiu a uma cena insólita: a discussão de uma jovem de nome Flor de Lis com um senhor idoso vestindo elegante terno branco. 

Uma briga de casal que deveria ser observada apenas pela lua e as estrelas. Voltou o garoto para a rede ouvindo sentidos soluços dos dois pombinhos lá fora e caiu, enfim, nos braços de Morfeu.  Agora ao terminar o relato no escritório, súbito, Chico Barrão viu-se abraçado, rindo e chorando com aquela criatura que protagonizou toda a história.

 Falou-me que muito sofrera com aquele romance proibido com um homem casado e com idade de ser seu pai. A dita senhora só veio a ter certeza que não se tratava de uma alucinação minha quando detalhei traços de seu pai, um grande boêmio e seresteiro que eu conhecera em sua passagem pela região onde eu morava.  Como epílogo do imbróglio, Chico Barrão, constrangido e meio sem graça, devolveu o dinheiro daquela desastrada consulta. Bem feito!

“Foram teus olhos/que me deram o tema doce/ de minha canção/teus olhos verdes/ claros ,serenos/olhos que tem sido minha inspiração/aqueles olhos verdes/ de mirada serena/deixaram em minha alma/eterna sede de amar/anseios de carícia/ de beijos e ternuras/de todas as doçuras/que sabiam brindar/aqueles olhos verdes/serenos como um lago/em cujas quietas águas/ um dia me mirei/não sabem a tristeza/ que em minha alma tem deixado/aqueles olhos verdes/que eu nunca beijarei “         Tradução livre de “Aquellos ojos verdes”









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