domingo, 13 de março de 2016

GETÚLIO REDIVIVO

“ Há meses, em um natural desejo de fugir a estes nossos terríveis tempos, e estando muito abalado (o que deve ter acontecido a todo bom brasileiro, salvo especialíssimas exceções) com as terríveis contingências que levaram o nosso presidente ao suicídio, e não podendo dormir, resolvi pegar um livro que eu considerava um remédio batatal para a insônia: As Memórias de Saint- Simon . Fatal engano .... Fui exatamente ler a narrativa da agonia e morte de Luís XIV, achando que seria uma coisa ótima para dormir como um bem – aventurado . Pensava que se tratasse de uma sociedade humana em tudo diferente da nossa...
Nada disso, meu pobre leitor, o que aconteceu foi que, os médicos o desenganaram e ele próprio se desenganou, todos os satélites do Rei- Sol o abandonaram e passaram para a casa do que seria o regente do Reino durante a minoridade do futuro Luís XV ....
Pois bem, estava eu lendo como uma coisa sedativa, ou quando muito divertida (Deus me perdoe), a morte de Luís XIV, quando topei com isto: quando o rei se achava agonizante, desenganado, perdido, todo o mundo o abandonou e passou a frequentar a casa do Duque ...
Ora, basta ler os jornais que se seguiram àquela trágica madrugada de 24 de agosto de 1954 e ver-se-á simplesmente o seguinte:
Quando o nosso presidente, já disposto a matar-se, fez um formal pedido de licença, apenas para impedir que seus amigos mais chegados evitassem seu supremo gesto, quando isso aconteceu, noticiaram os jornais cariocas que todos, abandonando- o, se transferiram para a casa do sr. Café Filho. Desde então este ficou sabendo que não era café pequeno..”
Este é um excerto de uma crônica, “ Getúlio “ do poeta gaúcho de Alegrete, Mário Quintana (1906- 1994) publicada em 13 de novembro de 1954 sobre a vida do rei Luís XIV (1638- 1715), chamado de Rei- Sol pela magnificência de sua corte e sobre a gigantesca tragédia que vitimou o também gaúcho de São Borja, Getúlio Vargas (1883- 1954) que “ saiu da vida para entrar na História “ . O poeta Quintana faz o relato nu e cru das “ gordas ratazanas abandonando, às pressas, o navio “ deixando na mão Luís XIV e Getúlio Vargas.
No Brasil hodierno vive-se uma grave crise institucional com as mesmas “ ratazanas “ e “ Pilatos “ mostrando a todos que a roda do mundo gira em constante mudança de Heráclito; o bicho- homem , contudo, continua com as manjadas artimanhas de sempre. Tomara que os deuses tenham complacência dos clamores emitidos pelas milhões de vozes neste atual vale de lágrimas chamado Brasil!

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