quinta-feira, 1 de outubro de 2015

CAIO CID  : CRONISTA , POETA E BOÊMIO

Carlos Cavalcanti ( Caio Cid ) , nasceu na Serra de Aratanha ,  município de Pacatuba , no Ceará , em  22 de fevereiro de 1904 . Filho de Raimundo Pereira Cavalcante e Agripina Soares Cavalcante   .
Cronista  , contista , poeta e , genuinamente boêmio . Militou em jornais de Fortaleza ( O  Povo e Correio do Ceará ) onde mantinha uma crônica diária , acompanhada por fiéis seguidores . Ali se desnudava um homem de bom coração  , sensível , com poemas em prosa , abordando  fatos prosaicos do cotidiano .  Vivia cercado de  intelectuais , artistas e notívagos da cidade , como , Demócrito Rocha , Otacílio de Azevedo , Otávio Lobo  e Leonardo Mota .
Publicou  : Aleuda ( 1934 ) , Aguapés ( 1935 ) , Gitirana ( 1938 )  e Canapum ( 1950 ) .
Atuou na imprensa do Rio de Janeiro por um curto  período , e é desta época que destacamos uma primorosa crônica poética constando do livro Canapum  ,  intitulada ,  Meu Amor Ficou no Hotel  :
“ Ninguém pense que viajei sozinho de Fortaleza para o Rio  , que vim de lá solteiro , livre , sem responsabilidade . Trouxe comigo uma delicada companheira , uma criatura que não se conformou em me ver sair abandonado , como um sujeito sem amor e sem merecimento .
Durante a longa travessia aérea , minha doce amiga não se manifestou , não exigiu nada , não revelou o menor aborrecimento. Quietinha no seu lugar , ligada ao meu destino de sua espontânea vontade , mantendo – se firme no avião , corajosa e bem disposta . Nunca me disse uma palavra de arrependimento , nunca  deu o menor sinal de receio .
Quando o “ Capitanea “ pousou serenamente na Ponta do Calabouço , desci meio tonto , apanhei um taxe , levando comigo a destemida e dedicada jovem , cuja atitude ainda era a mesma que mantivera em toda a viagem .
Já no quarto que me fora reservado no Hotel Mem de Sá – uma verdadeira armadilha à bolsa dos adventícios – abri  a malota  , banhei o rosto , fiz que estava muito à vontade e dirigi  a palavra àquela que não trepidara em  acompanhar – me :
- Bem , minha filha : agora fique no hotel para repousar um pouco , enquanto vou fazer o meu primeiro contato com a cidade misteriosa . Não se impressione . Tome conta da cama e durma um sono , se puder . Voltarei dentro de uma hora e meia .
Na Galeria Cruzeiro , ainda com o ronco dos motores na cabeça  , fui logo abraçando os primeiros conterrâneos . Cada um se mostrava mais espantado com a minha presença , como se eu tivesse sido condenado a vinte anos de Fernando de Noronha  e de repente surgisse no Rio de Janeiro .
Mas a maior sensação que produzi no seio da turma foi quando declarei que havia trazido uma cearense comigo , uma belezinha do norte , uma franzina e ingênua filha da terra de Iracema .
Todos ficaram logo muito esquentados e dois ou três dos malandros  pediam com insistência que eu os levasse imediatamente ao hotel , pois faziam muito empenho em conhecer de perto a minha pequena . Manobrei com jeito e consegui despistar o time , alegando que deixara para depois a apresentação solicitada , uma vez que a menina descera do avião muito enfadada, sendo inoportuno incomoda  - la na mesma noite de chegada .
Embora contrariados , tiveram que ceder às minhas razões e eu me fui embora , depressa para o hotel , com o pensamento na pobrezinha que tão pacientemente me esperava naquele ambiente estranho .
Encontrei – a passeando sobre a colcha da cama – colcha de alvura duvidosa – sempre calma , sempre dócil , como se fosse minha escrava , sem desejos e sem direitos a reclamar . Acariciei – a com aponta do dedo , querendo premia  –la  pela constância com que me esperou tanto tempo sem a mínima reclamação .
Arranjei uma caixinha de sabonete , furei o papelão em várias partes , para garantir – lhe a entrada de ar , e pus lá dentro um torrão de açúcar , ao lado de um pedacinho de laranja .
Infelizmente ,  no quarto dia tive  de lamentar a morte de minha querida companheira . Ao abrir a caixa para renovar o alimento , meus olhos caíram sobre o pequenino  cadáver  .  Permaneci calado por alguns minutos , emocionado e pensativo .
Cavei um buraquinho na parede e ali sepultei a inditosa formiga – de – roça , a imprudente cearense que viera clandestinamente no fundo de minha malota de viagem .

Nunca mais a esquecerei . Tenho a impressão de que fiquei viúvo !  “ .

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