NÃO SEI DANÇAR / FORTALEZA ANTIGA
Fortaleza adolescente com vestido de chita , à época não conhecia televisão , com a graça de Deus , e vivia a era de ouro do rádio . Na orla marítima da capital cearense , aos domingos , em plena luz do dia , clubes como o “ Massapeense e o “ Quixadaense , faziam a diversão dos casais em meio a sambas e boleros executados , invariavelmente , pelos conjuntos regionais de “ Canhoto “ , “ Moreira Filho “ e “ Ivanildo “ . O salão de danças enchia quando se executava “ Besame Mucho “ com os arranjos melosos emprestados de Ray Connif . Fora do clube , se esgueirando pelo muro baixo o “ canelau “ assistia maravilhado ao baile , os marmanjos com calções alugados e as garotas com maiôs Catalina , numa proximidade pra lá de gostosa . Os casais mais afoitos dançando colados demais e com os olhos fechados eram delicadamente afastados por um dirigente do clube . Ah ! belos tempos de domingo ! . Era uma pândega ! .
Saudades do pernambucano Manuel Bandeira , aquele dentuço que “ engoliu um piano , deixando o teclado do lado de fora “ , com um poema que abre seu livro Libertinagem : “ Não sei dançar “ :
“ Uns tomam Éter , outros cocaína .
Eu já tomei tristeza , hoje tomo alegria .
Tenho todos os motivos menos um de ser triste .
Mas o cálculo das probabilidades é uma pilhéria ...
Abaixo Amiel !
E nunca lerei o diário de Maria Bashkirtseff .
Sim, já perdi pai , mãe , irmãos .
Perdi a saúde também .
É por isso que sinto como ninguém o ritmo do jazz – band .
Uns tomam Éter , outros cocaína .
Eu tomo alegria !
Eis aí por que vim assistir a este baile de terça – feira gorda .
Mistura muito excelente de chás ...
Esta foi Açafata ...
- Não , foi arrumadeira .
E está dançando com o ex – prefeito municipal :
Tão Brasil !
De fato este salão de sangues misturados parece o Brasil ...
Há até a fração incipiente amarela
Na figura de um japonês .
O japonês também dança o maxixe :
Acugelê banzai !
A filha do usineiro de Campos
Olha com repugnância
Para a crioula imoral .
No entanto o que faz a indecência da outra
É dengue nos olhos maravilhosos da moça .
E aquele cair de ombros ...
Mas ela não sabe ...
Tão Brasil !
Ninguém se lembra de política ...
Nem dos oito mil quilômetros de costa...
O algodão de Seridó é o melhor do mundo ? ... que me importa?
Não há malária nem moléstia de Chagas nem ancilóstomos .
A sereia sibila e o ganzá do jazz – band batuca .
Eu tomo alegria ! “
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