SEMMELWEIS – HEROI E MÁRTIR DA MEDICINA
Ignácio Felipe Semmelweis ( 1818 – 1865 ) , nasceu no dia 01 de julho de 1818 na cidade de Buda , na Hungria , pertencente ao Império Austro- Húngaro . Cursou seus estudos elementares no Ginásio Católico de Buda e principiou a vida acadêmica na área de Direito na Universidade de Pest . Ao assistir a realização de uma necropsia viu seus interesses , de súbito , direcionados para o ofício de médico . Estudou na Universidade de Viena onde graduou-se em Medicina , tendo a sorte de conviver com mestres consagrados na arte hipocrática como , Joseph Skoda ( clínica médica ) , Carl von Rokitansky ( patologia ) e Ferdinand von Hebra ( dermatologia ) .
Após a conclusão do curso médico em 1844 fez-se aluno de Rokitansky com interesse especial no estudo de processos infecciosos em cirurgia . Em 1846 , Semmelweis obtém o título de Doutor em Obstetrícia . Neste período nasce a inquietação que o perseguirá pelo resto de seus dias como verdadeira obsessão : a morte de mulheres no puerpério em decorrência de infecção ligada ao parto . “ tudo o que aqui se faz me parece inútil ; os falecimentos se sucedem da forma mais simples . Se continua operando , no entanto ,sem tratar de saber verdadeiramente porque tal paciente sucumbe antes que outros em casos idênticos “ .
Até então se desconhecia a real natureza dos processos infecciosos e utilizava - se o termo “ miasma “ para algo indefinido como contaminação do ar ou vapores carregados de impurezas . Os trabalhos de Rudolf Virchow postulavam a teoria de que “ toda célula provém de outra célula “ . As descobertas decisivas de Louis Pasteur , Robert Koch e Joseph Lister sobre a natureza etiológica dos processos infecciosos ainda demorariam três décadas para aparecerem e mudarem todo o panorama da história da medicina .
Na Maternidade de Viena onde passa a trabalhar Semmelweis evidencia – se um alto índice de mortalidade materna por conta de quadros bem desenhados clinicamente : febre , calafrios , astenia , parada de eliminação de gazes e fezes , distensão abdominal e finalmente , morte num intervalo rápido de tempo . As cifras de morte batiam os índices de 30 % , uma verdadeira catástrofe . A dita maternidade dispunha de duas alas distintas ; uma era dirigida pelo Dr. Klein e outra , por Dr. Bartch . No primeiro pavilhão , estudantes de medicina assistiam a partos logo após fazerem necropsia no anfiteatro de anatomia , ali ao lado . Na ala do Dr. Bartch , os partos eram realizados por parteiras e o índice de mortalidade fazia –se bem mais modesto . A grande sacada de Semmelweis foi imaginar que os estudantes de medicina carregavam consigo algum tipo de “ matéria putrefata “ que recolhiam dos cadáveres submetidos à necropsia . A limpeza das mãos e dos instrumentos realizavam- se nas próprias vestimentas dos profissionais . Cumpre ser lembrado que na época não existiam luvas cirúrgicas .
“ ...Uma vez que se identificou a causa da maior mortalidade da primeira ala da maternidade como as partículas cadavéricas aderidas às mãos dos estudantes e dos médicos , foi fácil explicar os motivos pelo qual as mulheres que pariram em seus domicílios tinham uma menor mortalidade que as que deram a luz em maternidades “ .
Atendendo a uma recomendação de Kolletscka , um professor de medicina legal , Semmelweis parte para uma viagem de descanso em Veneza , e na volta é surpreendido com a morte por sepse do amigo que havia indicado tal pausa no trabalho . O mesmo sofrera um corte por ocasião de uma necropsia . Pouco tempo depois manifestara um grave quadro de sepse .
Por essa época , Semmelweis passou a apresentar comportamento bizarro , junto à classe médica , como se pode observar em uma missiva dirigida a colega , Markusovsky :
“ Não consigo mais dormir . O desesperador som da campainha que precede ao sacerdote portador do viático , tem penetrado para sempre na paz de minha alma . Todos os horrores, dos que diariamente sou impotente testemunha , me fazem a vida impossível . Não posso permanecer na atual situação , onde tudo é obscuro , onde o único categórico é o número de mortos “ .
Semmelweis decide preparar uma solução de Cloreto de Cálcio e torna obrigatório seu emprego na lavagem das mãos àqueles que fossem assistir a partos . De pronto postou um cartaz que afixou na porta de entrada da sala de parto da maternidade sob sua responsabilidade :
“ A partir de hoje ,15 de maio de 1847 , todo estudante ou médico , é obrigado, antes de entrar nas salas da clínica obstétrica , a lavar as mãos , com uma solução de ácido clórico , na bacia colocada na entrada . Esta disposição vigorará para todos , sem exceção “ .
Esta simples medida fez desabar o número de mortes maternas , para espanto de todos . Era comum se ouvir o sábio e controverso parteiro Semmelweis a gritar nos corredores : “ Lavem as mãos , lavem as mãos “ . Logo seus trabalhos profissionais foram dispensados da maternidade , posto que a comunidade médica de uma maneira geral não apoiava tal atitude de Semmelweis . Desta forma passou-se a uma triste fase atordoada na vida do grande obstetra húngaro inconformista .
Na Alemanha , em Kiel , por esta época , um renomado professor de obstetrícia , Gustav Adolph Michaelis , pôs fim a vida atirando-se sob as rodas de um trem em movimento ao sentir-se culpado por inúmeras mortes maternas acontecidas em seu hospital em decorrência da febre puerperal .
Em novembro de 1861 , Semmelweis publica um livro composto de 543 páginas com o título : “ Etiologia , Conceito e Profilaxia da Febre Puerperal “ . Em caráter profético comenta : “ Minha doutrina não foi estabelecida para que o livro que a expõe se encha de pó em uma biblioteca ; minha doutrina tem uma missão , que é trazer benefício à vida social prática . Minha doutrina foi produzida para ser disseminada entre os professores de obstetrícia até que todos os que praticam a medicina , até o último médico e a última parteira do povo atuem de acordo com seus princípios ; minha doutrina foi produzida para eliminar o terror das clínicas de maternidade , para conservar a esposa ao marido e a mãe ao filho “ .
Virchow , o pai da patologia celular se opôs de forma veemente a Semmelweis , pois defendia que todas as patologias tinham origem nas células do corpo humano e nada vinha do exterior.
Atendendo a um pedido de socorro da esposa de Semmmelweis , Ferdinand von Hebra , providenciou o internamento do grande e atormentado obstetra num manicômio , onde veio Semmelweis falecer no dia 14 de agosto de 1865 de septicemia como consequência de um ferimento numa das mãos . Por ocasião da necropsia os achados observados como , peritonite , abscessos múltiplos , pneumonia e meningite , levavam as mesmas características observadas naquelas mães com infecção puerperal .
Assistimos hoje , em pleno século XXI certas autoridades em saúde pública no Brasil defendendo de forma aberta e impositiva o retorno ao parto domiciliar , descartando a presença do obstetra e do neonatologista , num pacote exótico chamado de “ parto humanizado “ , um franco retorno ao medievo onde o binômio mãe – filho pode sofrer sérios agravos . O retorno ao parto normal em ambiente hospitalar seguro com uma equipe multiprofissional incluindo obstetra , anestesista , neonatologista , enfermeira – obstétrica , doula e , claro , a gestante e seu cônjuge , comandando todo o processo parturitivo , isto sim , caracteriza um parto desejado e humanizado . O contrário é voltar a época das trevas e à barbárie .
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