quinta-feira, 28 de maio de 2015



MARIA DA DÉA OU MARIA BONITA OU MARIA DE LAMPIÃO
“  Acorda , Maria Bonita / levanta ,  vai fazer o café / que o dia já vem raiando / e a polícia já está de pé / se eu soubesse que chorando / empato a tua viagem / meus olhos eram dois rios / que não te davam passagem /  cabelos pretos anelados / olhos castanhos delicados / quem não ama a cor morena / morre cego e não vê nada / “ .
Galopava no lombo do tempo o ano da graça de 1930 , tendo como  cenário o vetusto  sertão do nordeste brasileiro , região onde a miséria coabita  com a abundância , um  lugar de  pouca  chuva ,  com  uma fauna e flora que  buscam heroicamente a sobrevivência   neste adusto chão  prenhe de cabras valentes e destemidos do tipo  ,    Virgolino Ferreira da  Silva ( 1897 – 1938 ) nascido em Serra Talhada ( antiga Vila Velha ) no interior de Pernambuco no dia 07 de julho   , apelidado de  Lampião , ou ,  Governador do Nordeste  , o  maior ícone do cangaço  .
Na Fazenda  Malhada do Caiçara , próximo a Santa Brígida na Bahia ,no dia 08 de março de 1911 , nasceu  Maria Gomes de Oliveira , filha de José Gomes de Oliveira e de Maria Joaquina Conceição Oliveira ( Maria Déa ) .  Aos 15 anos de idade  , Maria Gomes , conhecida também como Maria de Déa foi dada em casamento a um simplório  sapateiro de nome José Miguel da Silva ( Zé do Neném ) . Ela era uma morena rechonchuda  , estatura meã , olhos claros e pernas bem torneadas . O casamento de Zé do Neném com Maria de Déa  mostrou-se  desde sempre  tempestuoso e ainda mais ,  infértil  . Em meio aos arranca – rabos do casal  , Maria de Déa buscava o ninho materno  como um  refúgio  para aplacar as dores de amores . Numa destas  ocasiões , Maria  cruzou o olhar com Lampião , tirando aquela mágica faísca que iria evoluir para um amor roxo .
Certa feita  fora deixado por Virgolino  uma dúzia de lenços para serem bordados   pelas sedosas mãos de  Déa . Tempos  depois Lampião resgatou suas prendas  na garupa do seu cavalo :  os ditos lenços  junto com a dama bordadeira  . Era o  ponta – pé inicial  duma aventura  marcada com sangue e barbárie , que perdurou por oito anos e que findou de maneira trágica e cruel  . Maria da Déa  , agora Maria do Capitão Virgolino foi a primeira mulher a ser permitida junto a um  bando de cangaceiros . Logo a  seguir , Mariquinha , irmã de Zé de Neném , sua cunhada , portanto , arrumou as tralhas e seguiu na companhia do cangaceiro Ângelo Roque , conhecido como Labareda , chefe de um dos sub- grupos dos cangaceiros de Lampião . Ao longo do tempo outras mulheres passaram a integrar o bando  , por vontade própria fugindo da opressão familiar  ou sob forte  coação em decorrência de um simples   rapto . Normalmente as mulheres cangaceiras não participavam dos duros  embates e não portavam armas de grosso  calibre . Adestravam –se  , contudo , no manuseio de armas brancas para os combates de  corpo- a- corpo . Elas usavam caros  vestidos de seda , carregavam vistosas  joias e muito  ouro .  Dá – se como certo que Lampião e outros facínoras do grupo confeccionavam  com brilho as indumentárias incluindo os chapéus e os embornais . Tudo muito esquisito num mundo grotesco de  bestas  – feras humanas  a praticarem um ofício relegado quase sempre às mulheres .
Uma gravidez naquelas circunstâncias gerava enormes problemas a serem contornados naquele  ambiente inóspito  . O próprio Lampião praticava o ofício de parteiro em certas ocasiões  .  Logo que nasciam  ,  as pobres  crianças seguiam de imediato   para adoção , e  entregues a padres , fazendeiros , vaqueiros ou juízes .
Expedita Ferreira  , filha de Lampião e Maria de Déa , veio ao mundo nas mãos de uma parteira de nome Rosinha no dia 13 de dezembro de 1932 sendo de imediato  entregue a um casal de vaqueiros da região . Ela teve contato com os pais verdadeiros em apenas poucas ocasiões em encontros fortuitos  .  Aquela vida nômade  , animalesca  ,  de constante perigo fugindo das volantes implacáveis não combinava com a inocente e frágil  presença de crianças .
Na madrugada do dia 28 de julho de  1938 , uma quinta – feira numa fazenda conhecida como Angico , no Município de Porto da Folha , em Sergipe , o grupo de Lampião foi atacado  de surpresa por uma volante sob o comando do Tenente João Bezerra da Silva , com o auxílio do Sargento Aniceto e do  Aspirante Ferreira , composta ao todo de quarenta e oito homens fortemente armados , inclusive com metralhadoras . O grupo de Lampião era naquela ocasião composto de trinta cangaceiros e cinco mulheres  :  Maria de Déa , Maria de Juriti , Enedina de Cajazeira , Dulce de Criança e Sila de Zé Sereno . O tiroteio desigual  durou cerca de quinze minutos  .   Morreram na ocasião duas mulheres  : Maria de Déa , degolada enquanto viva e Enedina com um tiro na cabeça . Foram chacinados nove  cangaceiros , incluindo , Lampião , Luiz Pedro , Mergulhão , Quinta – feira  e Elétrico .
Do lado da volante houve a perda de apenas  um soldado  , Adrião Pedro de Souza . O Tenente João Bezerra foi ferido levemente na coxa e na  mão . Todos os cangaceiros mortos foram decapitados e levados como troféus em triunfal  cortejo .  As cabeças de Lampião e Maria de Déa foram transferidas  para o Instituto Nina Rodrigues em  Salvador , onde permaneceram até 1969 , quando enfim foram sepultadas no Cemitério das Quintas na Bahia .
Com o aniquilamento  do grupo de Lampião findou o ciclo do cangaço no nordeste  brasileiro .
Em pleno século XXI assistimos  petrificados , fanáticos ligados as Estado Islâmico ( E.I .) martirizando inocentes cristãos através da decapitação  , fomentando o medo e a barbárie . Nada mais atual do que Plauto ( 254 – 184 a. C ) ao afirmar que  “ o homem é lobo , e não homem , para outro homem  “ , bem diferente de outros animais que não provocam mal aos da mesma espécie .
O nome de Maria Bonita foi dado pela imprensa da época para Maria de  Déa , Maria do Capitão ou Maria de Lampião . Nas feiras das cidades do interior  , no reino dos cordéis e no imaginário popular , Virgolino Ferreira da Silva , o Lampião , continua sua saga de valente , vingador , protetor dos pobres  e Governador do  Sertão . Quem sabe um dia ele  retorne para por ordem nesta sofrida região esquecida  eternamente dos poderes públicos  e aí  sim , o sertão vai virar um mar de abundância .




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