MARIA DA DÉA OU MARIA BONITA OU MARIA DE LAMPIÃO
“ Acorda , Maria Bonita / levanta , vai fazer o café / que o dia já vem raiando / e a polícia já está de pé / se eu soubesse que chorando / empato a tua viagem / meus olhos eram dois rios / que não te davam passagem / cabelos pretos anelados / olhos castanhos delicados / quem não ama a cor morena / morre cego e não vê nada / “ .
Galopava no lombo do tempo o ano da graça de 1930 , tendo como cenário o vetusto sertão do nordeste brasileiro , região onde a miséria coabita com a abundância , um lugar de pouca chuva , com uma fauna e flora que buscam heroicamente a sobrevivência neste adusto chão prenhe de cabras valentes e destemidos do tipo , Virgolino Ferreira da Silva ( 1897 – 1938 ) nascido em Serra Talhada ( antiga Vila Velha ) no interior de Pernambuco no dia 07 de julho , apelidado de Lampião , ou , Governador do Nordeste , o maior ícone do cangaço .
Na Fazenda Malhada do Caiçara , próximo a Santa Brígida na Bahia ,no dia 08 de março de 1911 , nasceu Maria Gomes de Oliveira , filha de José Gomes de Oliveira e de Maria Joaquina Conceição Oliveira ( Maria Déa ) . Aos 15 anos de idade , Maria Gomes , conhecida também como Maria de Déa foi dada em casamento a um simplório sapateiro de nome José Miguel da Silva ( Zé do Neném ) . Ela era uma morena rechonchuda , estatura meã , olhos claros e pernas bem torneadas . O casamento de Zé do Neném com Maria de Déa mostrou-se desde sempre tempestuoso e ainda mais , infértil . Em meio aos arranca – rabos do casal , Maria de Déa buscava o ninho materno como um refúgio para aplacar as dores de amores . Numa destas ocasiões , Maria cruzou o olhar com Lampião , tirando aquela mágica faísca que iria evoluir para um amor roxo .
Certa feita fora deixado por Virgolino uma dúzia de lenços para serem bordados pelas sedosas mãos de Déa . Tempos depois Lampião resgatou suas prendas na garupa do seu cavalo : os ditos lenços junto com a dama bordadeira . Era o ponta – pé inicial duma aventura marcada com sangue e barbárie , que perdurou por oito anos e que findou de maneira trágica e cruel . Maria da Déa , agora Maria do Capitão Virgolino foi a primeira mulher a ser permitida junto a um bando de cangaceiros . Logo a seguir , Mariquinha , irmã de Zé de Neném , sua cunhada , portanto , arrumou as tralhas e seguiu na companhia do cangaceiro Ângelo Roque , conhecido como Labareda , chefe de um dos sub- grupos dos cangaceiros de Lampião . Ao longo do tempo outras mulheres passaram a integrar o bando , por vontade própria fugindo da opressão familiar ou sob forte coação em decorrência de um simples rapto . Normalmente as mulheres cangaceiras não participavam dos duros embates e não portavam armas de grosso calibre . Adestravam –se , contudo , no manuseio de armas brancas para os combates de corpo- a- corpo . Elas usavam caros vestidos de seda , carregavam vistosas joias e muito ouro . Dá – se como certo que Lampião e outros facínoras do grupo confeccionavam com brilho as indumentárias incluindo os chapéus e os embornais . Tudo muito esquisito num mundo grotesco de bestas – feras humanas a praticarem um ofício relegado quase sempre às mulheres .
Uma gravidez naquelas circunstâncias gerava enormes problemas a serem contornados naquele ambiente inóspito . O próprio Lampião praticava o ofício de parteiro em certas ocasiões . Logo que nasciam , as pobres crianças seguiam de imediato para adoção , e entregues a padres , fazendeiros , vaqueiros ou juízes .
Expedita Ferreira , filha de Lampião e Maria de Déa , veio ao mundo nas mãos de uma parteira de nome Rosinha no dia 13 de dezembro de 1932 sendo de imediato entregue a um casal de vaqueiros da região . Ela teve contato com os pais verdadeiros em apenas poucas ocasiões em encontros fortuitos . Aquela vida nômade , animalesca , de constante perigo fugindo das volantes implacáveis não combinava com a inocente e frágil presença de crianças .
Na madrugada do dia 28 de julho de 1938 , uma quinta – feira numa fazenda conhecida como Angico , no Município de Porto da Folha , em Sergipe , o grupo de Lampião foi atacado de surpresa por uma volante sob o comando do Tenente João Bezerra da Silva , com o auxílio do Sargento Aniceto e do Aspirante Ferreira , composta ao todo de quarenta e oito homens fortemente armados , inclusive com metralhadoras . O grupo de Lampião era naquela ocasião composto de trinta cangaceiros e cinco mulheres : Maria de Déa , Maria de Juriti , Enedina de Cajazeira , Dulce de Criança e Sila de Zé Sereno . O tiroteio desigual durou cerca de quinze minutos . Morreram na ocasião duas mulheres : Maria de Déa , degolada enquanto viva e Enedina com um tiro na cabeça . Foram chacinados nove cangaceiros , incluindo , Lampião , Luiz Pedro , Mergulhão , Quinta – feira e Elétrico .
Do lado da volante houve a perda de apenas um soldado , Adrião Pedro de Souza . O Tenente João Bezerra foi ferido levemente na coxa e na mão . Todos os cangaceiros mortos foram decapitados e levados como troféus em triunfal cortejo . As cabeças de Lampião e Maria de Déa foram transferidas para o Instituto Nina Rodrigues em Salvador , onde permaneceram até 1969 , quando enfim foram sepultadas no Cemitério das Quintas na Bahia .
Com o aniquilamento do grupo de Lampião findou o ciclo do cangaço no nordeste brasileiro .
Em pleno século XXI assistimos petrificados , fanáticos ligados as Estado Islâmico ( E.I .) martirizando inocentes cristãos através da decapitação , fomentando o medo e a barbárie . Nada mais atual do que Plauto ( 254 – 184 a. C ) ao afirmar que “ o homem é lobo , e não homem , para outro homem “ , bem diferente de outros animais que não provocam mal aos da mesma espécie .
O nome de Maria Bonita foi dado pela imprensa da época para Maria de Déa , Maria do Capitão ou Maria de Lampião . Nas feiras das cidades do interior , no reino dos cordéis e no imaginário popular , Virgolino Ferreira da Silva , o Lampião , continua sua saga de valente , vingador , protetor dos pobres e Governador do Sertão . Quem sabe um dia ele retorne para por ordem nesta sofrida região esquecida eternamente dos poderes públicos e aí sim , o sertão vai virar um mar de abundância .
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