AGNODICE E JOVITA
FEITOSA : DUAS
FEMINISTAS AFASTADAS NO TEMPO
Mundo , vasto mundo , complexo e incongruente . Existe
um universo masculino e outro feminino ? . Bem , não era para existir , pois somos uma só raça humana que medra num bólido chamado terra girando
feito uma carrapeta neste
multiverso . Ao longo da história as
tentativas de segregar o homem da mulher apenas gerou conflitos e descriminação
descabida e besta .
Duas mulheres que
viveram em distintas épocas não aceitaram
passar em brancas nuvens pelo teatro da vida e
fincaram marcos de coragem e altivez mesclando harmoniosamente o masculino e o feminino : a grega Agnodice e a cearense Jovita Feitosa
.
Agnodice :
Viveu no século IV a.
C. na Grécia onde estudou medicina em Atenas sob a orientação do famoso Herófilo de Calcedônia ( 325-280 a.C. ) , um dos fundadores da escola médica de
Alexandria . Credita-se a Herófilo o pioneirismo na dissecação de cadáveres humanos onde foram
descritos com detalhes uma anatomia
até então sujeita a erros grosseiros . As leis gregas de então não
permitiam o exercício regular da profissão de medicina a mulheres e escravos . Deste modo Agnodice com consentimento paterno passou a vestir trajes
masculinos e cabelos bem aparados para conseguir seu intuito de aprender a arte
hipocrática como um “ homem de
verdade “ . Uma vez descoberta a trama da jovem estudante , a
mesma foi levada a um tribunal no Areópago , onde segundo alguns , elevando o
vestido à cabeça mostrou sua verdadeira
identidade . O mesmo desnudamento perante juízes foi praticado pela cortesã grega Frinéia ( século IV a. C. ) e
findando com o mesmo resultado positivo
. A acusação que pesava sobre Agnodice constava
de assédio masculino às damas
atenienses . Os juízes condenaram-na e em contraponto as mulheres de Atenas intercederam em favor
da corajosa dama de
branco. Mas o crime permaneceu , posto que , continuava proibido o exercício da medicina por mulheres
naquela sociedade mágica em filosofia ,
arte e ciência , mas retrógrada com o modo de vida do vasto universo feminino .
Agnodice seguiu em frente servindo a toda comunidade das
mulheres e estabelecendo de vez a prevalência feminina na assistência à saúde da mulher . As leis atenienses foram modificadas , a partir de então , para permitirem o acesso de mulheres aos estudos formais de
medicina . A obstetrícia laica ,
domiciliar e exercida por mulheres sobreviveu aos mil anos da Idade Média e por
volta do século XVII a figura masculina na arte de partejar e o parto
hospitalar passaram a ser norma na sociedade em quase todo mundo civilizado .
Embora Agnodice seja citada pelo autor romano , Caio Júlio
Higino , no século I de nossa era , alguns sustentam que esta pioneira ginecologista da história represente
apenas uma mera figura mítica .
Do mesmo modo há referência no antigo Egito a uma
figura - Merit Ptah - como uma médica atuante naquele pedaço de
mundo ao redor de 2700 a . C . .
Jovita Alves Feitosa
:
Jovita Alves Feitosa ( 1848 – 1867 ) veio ao mundo na
localidade de Brejo Seco , no sertão dos Inhamuns , região do Ceará que deu pouso a famosa guerra sertaneja de duas tradicionais famílias , os Montes e
os Feitosas . Seus pais foram Maximiano Bispo de Oliveira e Maria Alves Feitosa
Jovita , que de nascença era Antônia , ficou órfã de mãe com a idade de 12 anos por
conta da terrível epidemia de cólera que grassou nos sertões nordestinos no ano
de 1860 . A partir de então em companhia do pai seguiu
para o município de Jaicós no vizinho estado do Piauí , onde foi acolhida por um tio , Rogério ,
mestre de uma banda de música .
Jovita percorreu ,
sem a anuência de seus familiares , 70
léguas a pé em busca de Teresina ,
capital da Província , com vestes masculinas e cabelos cortados , portando um
chapéu de vaqueiro com o firme propósito de se apresentar no Palácio da
Presidência e oferecer seus préstimos como Voluntário da Pátria , na sangrenta
e desigual Guerra do Paraguai ( 1865 – 1870 ) . Brasil
, Argentina e Uruguai esmagaram as forças do General Solano Lopez do minúsculo e bravo Paraguai .
Atrocidades e excessos foram cometidas de lado a lado manchando a história da
sofrida América Latina .
A garota cearense com
feições bugres , acaboclada e falar desassombrado tinha à época 17 anos de
idade . O Sr. Dr. Franklin Dória , Barão de Loreto e Presidente do Piauí , de
pronto aceitou a reivindicação da corajosa sertaneja , fato este ocorrido em 9 de julho de 1865 . Seu
verdadeiro sexo fora descoberto numa feira do Piauí onde seus seios foram
palpados e suas orelhas furadas observadas por uma moradora local . Levada para falar com as autoridades
policiais confirmou a suspeita , era sim
, uma mulher que queria ir a luta “ bater –se com os monstros paraguaios que tanta ofensa tem feito às
famílias no Mato Grosso “ . Assim Jovita sentou praça recebendo as divisas de
Primeiro – Sargento . A partir de então Jovita virou uma
celebridade acolhida com festas e loas por onde passava .
O entusiasmo de
Jovita pouco durou , pois
a 16 de setembro de 1865 o Ministro da Guerra do governo Brasileiro , mesmo
louvando o oferecimento da jovem
cearense indeferiu seu pedido , posto que , havia a proibição de mulheres como
combatentes . Aos poucos as festas e as
homenagens minguaram cavando um fosso na alma sensível da valente Jovita .
Numa passagem por
Recife ,
no Teatro Santa Isabel , a jovem
cearense foi assim saudada por um poeta local na presença do Presidente da
Província :
“ Peço palmas para a
moça
Que ocupa um lugar ali
Ela vale uma epopeia
:
Erguei- vos , nobre
plateia !
Essa amazona aplaudi
!. “
A nobre heroína dos
vetustos rincões cearenses finou-se em
1867 no estado do Rio de Janeiro , aos
19 anos de idade e passou para a história figurando no panteão ombreando- se a grandes nomes de nossa história como
Bárbara Heliodora , Maria Quitéria , Ana Nery e Bárbara de Alencar . Um luminosa estrela que continua a dar rumo
a sonhadores peregrinos .
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