OS DOIS PARAISOS : O
ANTES E O DEPOIS
Quanta dificuldade surge
quando procura – se definir
termos como tempo , vida e morte
. Não há maiores óbices em distinguir se algo irradia vida , se evidencia sinais de morte ou se observa a ampulheta do tempo escorrendo . Gozo , alegria , sofrimento e trabalho árduo , eis em que se resume , a meu ver , o nosso
rápido passeio pelo paraíso
terreal . Na primeira etapa da existência o bicho – homem mostra crescimento , amadurecimento e algumas vezes
, a urdidura de uma prole
. Na trajetória derradeira da vida
, aqueles que não são ateus buscam organizar um plano para viver em Deus e com Deus :
é o que chamo , o antes e o depois da vida .
Para C.G. Jung “ a morte seria um segundo nascimento “ ; para
L. Boff “ na morte , o corpo não é mais
percebido como barreira que nos separa de nossos semelhantes e de Deus , mas
como expressão radical de nossa comunhão com a total realidade da matéria
imanente e com todo o cosmos “ .
Há dois dias na sequência de mais um dia de trabalho , fui acometido de uma breve parada cardíaca em seguida a uma
convulsão generalizada que me colocou em franco nocaute , fazendo –me , literalmente , beijar
humildemente o solo onde piso . Naquele
pequeno intervalo de tempo observei lá do alto meu invólucro corporal inerte em aparente
gozo de paz verdadeira . O ambiente onde minha alma
flutuava irradiava uma suave luz livre de
qualquer sonoridade . Nos
segundos finais da contagem do tempo para definir a refrega retomei o prumo da
vida , de forma espontânea . Notei
em meu derredor , pés ,
pernas e ouvi vozes
de meus fieis anjos da guarda que nunca tiram , graças a Deus , licença – prêmio . Dali , gentilmente , concederam -me um rápido pouso numa UTI cardiológica .
Vivenciei com paciência de Jó o drama da luta pela vida escorrendo por entre
os dedos do outro lado da trincheira ,
como um cliente comum , desarmado de todo o pretenso saber médico . Naquele ambiente asséptico de
luzes e aparelhos sonoros que não param nunca vislumbrei a indesejada das
gentes de vestido branco e esvoaçante perambulando invisível entre médicos e enfermeiras . Ela sempre a
conferir o placar a seu favor .
Pelo visto , não
fui aceito , por enquanto , no
paraíso “ do depois “ . Quanto a passagem de um paraíso a outro , o breve instante ensinou- me que ,
definitivamente , na morte não existe dor , nem medo , apenas e
somente a mais pura e resignada aceitação.
A mesa enfim ,
creio eu , encontra – se quase posta ,
Senhor . Mesmo tendo consciência que ora
em diante encontro- me no lucro , após beijar ligeiramente a face da
morte , humildemente Lhe rogo um pouco mais de tempo para dar um
fecho em minha pequena , mas única , sinfonia
terreal . Creia – me , contudo , Senhor , que sou
todo Seu . Minha benção e obrigado a todos .
Obrigado a vida ! .
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