Segue abaixo o texto luminoso do poeta e médico cearense Dirceu Vasconcelos. Como sempre, impecável! Maravilha!.
Quarto dos fundos
Vocês estão vendo aquele quarto ao fundo da casa, com pouca ventilação,
Escuro, silencioso, compondo o cenário do quintal, junto ao quarto de depósito?
Ali vive um senhor
Solitário, cercado de livros de poesia e solidão....
Dizem os mais velhos que, há alguns anos, ele era muito falante, convivia com pessoas, brincava com a vida,
E, aos poucos, foi calando-se, entristecendo-se, falando de coisas do passado e achando tudo muito igual...
Desmotivado pela indiferença das pessoas, foi moldando sua vida à reclusão, e, por fim, lá se instalou com suas lembranças, seu passado sofrido das lutas da realidade, com sua poesia existencial.
Como pouco falava e muito sentia, não encontrou ouvidos que o escutassem, diziam que era deprimido.
Diziam a ele que a vida era bela,
Que o sol nascia todo dia,
E as pessoas eram felizes...
Nada disto ele via, e sim, pessoas repetindo o mesmo discurso,
Contrário ao modo de viver.
Falavam de amor, e o ódio predominava;
De amizades, quando muitos apenas conviviam.
Foi aos poucos sentindo que o teórico, não correspondia à prática.
Tentou ser amável, caridoso, alegre,
Porém, as pessoas mais se isolavam.
Daquele quarto, vê-se, vez ou outra pela fenda da porta,
Poesias em pequenas e amassadas folhas sendo lançadas para fora do quarto e varridas ao lixo; quando não, o vento as carrega para longe.
Nestas folhas estão contidos todos os motivos que o levaram a viver junto às suas poesias,
Que muito falam, se agitam , reclamam, amam
E têm vida própria...
A vida deste poeta foi dedicada à poesia
Para juntos, num só corpo,
Sumirem devagarinho pela fresta da porta
E tornarem-se fumaça.
Dirceu Vasconcelos - Fortaleza 18/12/2014
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