quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Agostinho dos Santos / Tristeza não tem fim


Em 1973, o Brasil encontrava–se à mercê do regime dos coturnos, que teve início com o General cearense Humberto de Alencar Castelo Branco (1964–196), passando pelo General gaúcho Artur da Costa e Silva (1967-1969), e vivia uma das quadras mais sombrias da Revolução de 64, o auge da repressão, com o General gaúcho Emílio Garrastazu Médici (1969–1974). Um outro militar do Exército e futuro Presidente da República, General Ernesto Geisel cuidava da maior empresa nacional (hoje contando com mais de oitenta mil funcionários) e motivo de orgulho dos brasileiros, a Petrobrás. Até então propalava-se que o petróleo era nosso, bem diferente dos dias atuais, onde a empresa passou a pertencer a eles, os áulicos rubros do poder e aí se assistiu a um enorme pesadelo, o verdadeiro baque de um gigante agonizante. Mas, mudemos de assunto. No plano cultural, a febre dos festivais de música havia se encerrado em 1972. Ao lado de figuras consagradas como Chico Buarque de Holanda, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Edu Lobo, surgem compositores, alguns regionais, como Djavan, Morais Moreira, Raimundo Fagner, Antônio Carlos Belchior, Ednardo e Alceu Valença. 
Os destaques musicais do Brasil no ano de 1973 ficaram por conta de:
Pérola Negra, do carioca Luiz Melodia: 
“Tente passar pelo que estou passando / tente apagar este seu novo engano/ tente me amar pois estou te amando / baby te amo , nem sei se te amo / tente usar a roupa que estou usando / tente esquecer em que ano estamos / arranje algum sangue, escreva num pano / pérola negra ,te amo, te amo /rasgue a camisa , enxugue meu pranto/ como prova de amor mostre teu novo canto / escreva num quadro em palavras gigantes / pérola negra te amo , te amo / tente entender tudo mais sobre o sexo / peça meu livro querendo te empresto /se inteire das coisas sem haver engano / baby te amo , nem sei se te amo“.
Folhas secas, do carioca Nelson Cavaquinho: 
“Quando piso em folhas secas / caídas de uma mangueira / penso na minha escola / e nos poetas da minha estação primeira / não sei quantas vezes / subi o morro cantando sempre o sol me queimando/ e assim vou me acabando / quando o tempo avisar / que eu não posso mais cantar / sei que vou sentir saudade ao lado do meu violão / da minha mocidade“.
Ouro de tolo, do baiano Raul Seixas: 
“Eu devia estar contente / porque eu tenho um emprego / sou um dito cidadão respeitável/ e ganho quatro mil cruzeiros por mês /eu devia agradecer ao Senhor / por ter tido sucesso na vida como artista /eu devia estar feliz / porque consegui comprar um corcel 73 /eu devia estar alegre e satisfeito / por morar em Ipanema /depois de ter passado fome na Cidade Maravilhosa / Ah ! eu devia estar sorrindo / e orgulhoso / por ter finalmente vencido na vida /mas eu acho isso uma grande piada / e um tanto quanto perigosa / eu devia estar contente/ por ter conseguido/ tudo o que eu quis / mas confesso abestalhado / que eu estou decepcionado / porque foi tão fácil conseguir / e agora pergunto “ e daí “ / eu tenho uma porção/ de coisas grandes pra conquistar /e eu não posso ficar aí parado / eu devia estar feliz pelo Senhor /ter me concedido o domingo / pra ir com a família / no Jardim Zoológico / dar pipocas aos macacos / ah! mas que sujeito chato sou eu /que não acha nada engraçado / macaco , praia , carro , jornal , tobogã /eu acho tudo isso um saco / é você olhar no espelho / se sentir um gradessíssimo idiota / saber que é humano / ridículo , limitado/ que só usa dez por cento de sua cabeça animal / e você ainda acredita / que é um doutor , padre ou policial / que está contribuindo com sua parte / para o nosso belo quadro social / eu é que não me sento / no trono de um apartamento / com a boca escancarada / cheia de dentes / esperando a morte chegar / porque longe das cercas embandeiradas / que separam quintais /no cume calmo / do meu olho que vê / assenta a sombra sonora / de um disco voador /“.
Agostinho dos Santos (1932–1973) veio ao mundo em São Paulo no dia 25 de abril de 1932. Iniciou-se na música como crooner de orquestra,nas rádios Nacional e América. Duas damas nobres da MPB, Ângela Maria e Sílvia Teles o introduziram no meio artístico em ebulição, junto a outros compositores iniciantes como Tom Jobim e Dolores Duran. O filme “Orfeu do Carnaval“ de Marcel Camus, com as músicas “Manhã de Carnaval“ e “A Felicidade“ abriu as portas de uma carreira  internacional para Agostinho .
“Manhã , tão bonita manhã / na vida , uma nova canção / cantando só teus olhos // teu riso , tuas mãos / pois há que haver um dia / em que virás / das cordas do meu violão / que só teu amor procurou /vem uma voz/ falar dos beijos perdidos /nos lábios teus / canta o meu coração / alegria voltou / tão feliz a manhã deste amor “ .
“ Tristeza não tem fim, felicidade sim/ a felicidade é como uma pluma / que o vento vai levando pelo ar / voa tão leve / mas tem a vida breve / precisa que haja vento sem parar / a felicidade do pobre parece/ a grande ilusão do carnaval / a gente trabalha o ano inteiro / por um momento de sonho/ pra fazer a fantasia / de rei ou de pirata ou jardineira / e tudo se acabar na quarta-feira / a minha felicidade está sonhando / nos olhos da minha namorada / é como esta noite / passando , passando / em busca da madrugada /falem baixo , por favor / pra que ela acorde alegre como o dia / oferecendo beijos de amor “ . 
"Momentos são / iguais aqueles em que eu te amei / palavras são / iguais aquelas que eu te dediquei / eu escrevi , na fria areia / um nome para amar / o mar chegou tudo apagou / palavras leva o mar / teu coração , praia distante / em meu perdido olhar / teu coração mais inconstante / que incerteza do mar / teu castelo de carinhos/ eu nem pude terminar / momentos meus que foram teus / agora é recordar “ . 
“Aqueles olhos verdes / translúcidos serenos / parecem dois amenos / pedaços de luar / mas têm a miragem profunda do oceano / e trazem todo o engano / das procelas do mar / aqueles olhos verdes / que inspiram tanta calma / entraram em minh’alma / encheram –na de dor / aqueles olhos tristes / pregaram –me tristeza / deixando – me a crueza / de tão infeliz amor“. 
Em 11 de julho de 1973 foi interrompida bruscamente a trajetória de Agostinho dos Santos, aos 41 anos, um cantor de voz maviosa, cheia de falsetes, que passeou pela Bossa Nova e pela música romântica latino-americana. O voo da Varig com destino ao Aeroporto de Orly na França foi brecado por um incêndio feroz iniciado por um cigarro aceso num banheiro, levando à morte 123 pessoas (116 passageiros e 7 tripulantes), incluindo Agostinho dos Santos e o famigerado senador Felinto Muller, que comandou o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) do Governo Getúlio Vargas. O comandante deste voo, Gilberto Araújo da Silva, escapou milagrosamente e morreu em um outro sinistro no Japão em 30 de janeiro de 1979, pilotando um avião–cargueiro da Varig. Até hoje nenhum vestígio de tal aeronave foi encontrado, tornando-se um mistério a mais da aviação mundial.

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