“ A esta hora
exatamente / há uma criança na
rua / há uma criança na rua / é honra dos homens proteger o que cresce / cuidar
que não haja infância dispersa pelas ruas / evitar que naufrague seu coração de
barco / sua incrível vontade de pão e chocolate / colocar uma estrela no lugar
da fome / caso contrário , é inútil , caso contrário é um absurdo / ensaiar na
terra a alegria e a música / porque de nada vale , se há uma criança na rua “ /
.
“ Todo o tóxico do meu país entra pelo meu nariz / lavo
carros , limpo sapatos , cheiro cola e também uso crack/ roubo carteiras , mas
sou gente fina , sou um sorriso sem dentes / chuva sem teto , unha com terra ,
sou o que sobrou da guerra / um estômago vazio , um golpe no joelho que se cura
com o frio / o melhor guia turístico da redondeza / por três moedas te guio
pela capital / não preciso de visto para voar pelos arredores porque brinco com
aviões de papel / arroz com pedra , frango com vinho , e o que me falta eu
imagino / não deve andar o mundo com
amor descalço / acenar com um jornal com uma carta na mão / subindo nos trens ,
substituindo o riso / batendo – nos no peito com um lado cansado /
não deve andar a vida recém- nascida , a
preço / a infância arriscada por uma extrema ganância / porque , então , as
mãos são fardos inúteis / e o coração , apenas uma pobre palavra / quando cai a
noite , durmo acordado , com um olho fechado e o outro aberto / porque senão os
tigres me mandam um balaço /minha vida é como um circo , mas , sem palhaço /
vou caminhando pelas ruas fazendo malabares com cinco laranjas / pedindo
moedas a todos numa bicicleta de uma só
roda / sou oxigênio para este continente / sou o que o presidente descuidou / não
se assuste se tenho mau hálito , se me
vês sem camisa com as tetas ao vento /sou um elemento a mais na paisagem / os
resíduos da rua sem camuflagem / como alguma coisa que existe , mas de mentira
/ algo sem vida , mas que respira / pobres são aqueles que se esqueceram de que
há/ crianças na rua / que há milhões de crianças que vivem na rua / e muitas
crianças que crescem nas ruas / eu os
vejo apertando seu pequeno
coração / a mirando – nos a todos com
uma fábula nos olhos /um relâmpago truncado cruza seus olhos / porque ninguém
protege a vida que cresce / e o amor
faz- se perdido , como uma criança solta na rua / “ . Tradução livre da música “ Hay um nino en la calle “ .
Hoje, exatamente
25 de dezembro de 2014, à luz de pleno dia, com um sol abrasador, na Avenida
Virgílio Távora próximo à Santos
Dumont, não há uma só criança na rua, mas vários anjinhos de pés descalços, famintos, mal vestidos e
um deles, nu em pelo, a se banhar com uma garrafa de água mineral. E rindo solto a alegria dos inocentes. Uma cena de filme de “Luis
Buñuel“. Tomei imitando o petiz, sem querer, um banho de
água salgada nos meus olhos cansados. E meu “anjinho da guarda“ de sete anos: - “painho não faz isso, senão eu faço
igual! – Não
é choro, cabrita, foi um “lacerdinha“ que caiu aqui no meu olho. Arde, mas passa já". Porque essa injustiça ainda a nos mostrar
esta dura face da vida? "- Vamos
embora, rápido, 2014, assim não dá! “. Que
2015 traga teto,
família, alimento, cobertor, escola, lazer e muito amor para esses anjinhos
de Deus, e se sobrar um tiquinho, manda pra nós também, né !
P.S: Nos
idos de 60 do século passado apareceu por essas bandas, junto aos pés de “ficus
benjamin” que cobriam a Avenida D.
Manoel, uma praga de pequenos insetos,
que dizem trazidos do México. Tais criaturas ao penetrar nos olhos dos
transeuntes provocavam um incômodo ardor. Daí , logo passou a ser chamado o
inseto de “lacerdinha“, em homenagem a um importante político, jornalista
e intelectual carioca, Carlos Lacerda,
que causava incômodos a muita gente, inclusive aos áulicos do poder de então,
os Marechais da República.
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