Para
Clayrton e Tico.
https://www.youtube.com/watch?v=SDC-2yXyRw0
“Quando a noite
descer / insinuando um triste adeus / olhando nos olhos teus / hei de beijando
os teus dedos dizer / boa noite amor / meu grande amor /contigo sonharei / e a
minha dor esquecerei / se eu souber que o sonho teu /foi o mesmo sonho meu /
boa noite amor / e sonhe enfim / pensando sempre em mim / na carícia de um
beijo / que ficou no desejo / boa noite meu grande amor“ .
Assim a bela
desposada do sol, banhada em prata, acolhia seus boêmios, com o pinho junto ao
peito em prosaicas serestas, noite adentro. Corriam os dourados anos de 60 do século
passado. Em princípio fazia – se uma “base“ que consistia numas rodadas de
“cuba libre“ com fins de afinar os dedos na viola e aveludar a garganta para
laçar a meiga amada. Ali se traçava o trajeto a ser percorrido, pois pelo menos
três casas seriam visitadas, prioritariamente, aquelas de muro baixo e, o mais
importante, cujo o dono mostrava-se compreensivo com aquele tipo romântico de
abordagem. Se aos primeiros acordes a luz da sala de estar não desse sinal de
vida num pisca–pisca maneiro, fazia–se mais prático bater em retirada sem
barulho ou no máximo com um queixume breve, como, “ Pra dizer adeus “ de Edu
lobo e Torquato Neto:
“Adeus / vou pra não
voltar / e onde quer que eu vá / sei que vou sozinho / tão sozinho amor / nem é
bom pensar / que eu não volto mais / deste meu caminho / ah ! pena eu não saber
/ como te contar / que o amor foi tanto / e no entanto eu queria dizer / vem /
eu só sei dizer / vem / nem que seja só / pra dizer adeus“ / .
Silvio Caldas, o
caboclinho, Francisco Petrônio, Nelson Gonçalves, Orlando Silva, Chico Viola e
Altemar Dutra, nos ajudavam a acalentar com suas magistrais canções os frágeis
corações de nossas mimosas musas. No dia seguinte aguardava–se inquieto uma
recompensa à altura e com sabor de mel “milhões de abraços apertados, assim,
colado assim, calado assim, abraços e beijinhos, e carinhos sem ter fim, que é
pra acabar com esse negócio de você viver sem mim“ . Boa parte do trabalho de
formiguinha da seresta ficava por conta do violão afinado como aquele chorado pelo
imortal Cartola:
“Ah! estas cordas de
aço / este minúsculo braço / do violão que os dedos meus acariciam /ah! este
bojo perfeito / que trago junto ao meu peito/só você violão / compreende porque
perdi toda alegria / e no entanto meu pinho / pode crer , eu adivinho / aquela
mulher / até hoje está nos esperando / solte o seu som da madeira / eu você e a
companheira / na madrugada iremos pra casa / cantando “.
Abria-se
democraticamente um espaço previsto nos estatutos internacionais dos lídimos
boêmios para a galera linha – dura que já antevendo o fim da tradicional
seresta (cabrocha, luar e violão) mandava ver um sambinha empoado de veneno:
“Seresta moderna não
tem poesia / não tem noite de lua / não tem luar / não tem cavaquinho / não tem
violão / e nem mesmo um pandeiro / para o samba ritmar / seresta moderna /
agora é Hi – Fi / num canto de sala / de um apartamento / vitrola tocando /
bebida rolando /gritinhos nervosos a todo momento / um gaiato cantando sem voz
/ um samba sem graça / desafinado que só vendo / e as meninas de copo na mão /
fingindo entender / mas na verdade nada entendendo / pela madrugada / tudo está
em paz / ninguém sabe o que fez / ninguém sabe o que faz / a noite termina / o
samba tem fim/ amargurado por ser tratado assim“/. Mas numa noite com a lua
cheia faceira a deslizar suavemente pastoreando as estrelas, junto ao farfalhar
das folhas, um pungente lamento risca a escuridão para por ordem na casa:
“Venho das canções em serenata / dos luares cor de prata / dos poetas
ancestrais / onde aquele Rio de Janeiro / dos balcões e candeeiros / que
ninguém se lembra mais / venho das canções em noites belas / a cantar sob a
janela / minha amada não me quis / resto de seresta à luz da lua / que hoje
anônima flutua pelos céus do meu país / ouçam- me modernos trovadores / que o
cantar dos precursores / não é mais o canto seu / sonho, amor, canção, poema,
aurora / tudo é pranto pra quem chora / na seresta choro eu / muda o canto, a
forma, o verso, a prosa / mas a rosa é sempre a rosa / sempre o mesmo esse luar
/ meu pendor então se manifesta / não é tempo de seresta / mas me deixem
recordar“ .
Não importa
se houve celeridade na mudança dos tempos mas sempre encontraremos uma real
motivação para cantar, sorrir, chorar e deitar mimos com uma flor à mão a:
“Uns olhos
verdes, translúcidos e serenos, parecendo dois amenos pedaços de luar“;
“ Uns olhos
castanhos, de encantos tamanhos e pecados meus“;
“ Uns olhos azuis
cruéis como punhais“;
“ Uns olhos negros de
queixumes e de uma tristeza sem fim .
Um brinde
eterno às nossas divinas damas!
Nenhum comentário:
Postar um comentário