UMA SAGA DE LOBOS DO
MAR EM 1941
Para o poeta Vicente
Alencar
Transcorria o ano de 1941, em plena vigência do conflito
mais letal da história da humanidade, a Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945). O
Brasil vivia sob o tacão da Ditadura do Estado Novo implantada em 1937 pelo
melífluo gaúcho Getúlio Dorneles Vargas (1882- 1954), aclamado como “ O Pai dos
Pobres “ ou “ O Grande Timoneiro”. No estado do Ceará fincado em pleno Nordeste
brasileiro, um grupo de quatro humildes pescadores, jangadeiros ou lobos do mar,
gestaram um audacioso sonho de seguir até o Rio de Janeiro, capital da
república, com fins de exigir direitos nas novas regras criadas pela
Consolidação das Leis Trabalhistas. Em Fortaleza existiam duas colônias de
pesca: a Z-1, localizada na Praia de Iracema e a Z-2, em Mucuripe. No Ceará
laboravam cerca de 35.000 jangadeiros. Para a arriscada aventura rumo ao Rio de
Janeiro foi confeccionada uma rústica jangada de madeira piúba, que recebeu o nome
de São Pedro, pesando cerca de oitocentos quilos, medindo trinta e seis palmos
de comprimento e oito de largura.
A tripulação da jangada São Pedro foi assim constituída:
Manoel Olimpo de Meira (Jacaré): 38 anos; Manoel Pereira da Silva (Mané Preto):
39 anos; Jerônimo André de Sousa (Jerônimo): 35 anos; e, Raimundo Correia Lima
(Tatá): 52 anos. Quatro verdadeiros gigantes!
A jangada São Pedro zarpou da Praia do Peixe ou de Iracema
na manhã do dia 14 de outubro de 1941 com destino ao Rio de Janeiro, a capital
federal, após uma liberação concedida pelo Ministro da Marinha, Almirante
Aristides Guilhen. Para enfrentar o mar
bravio e percorrer cerca de 2.381 Km, os quatros gigantes pescadores não
levavam nenhuma bússola ou carta de navegação. De dia o rei-sol servia de
referência e quando o véu da noite cobria a terra, as estrelas ajudavam a
traçar o rumo da viagem. Deste modo, após várias peripécias, dentre as quais o
enfrentamento de um forte temporal entre os estados da Bahia e Vitória, e depois
de sessenta e um dias, naquele mundão d’agua salgada, a jangada São Pedro chega
triunfante à Baía de Guanabara no dia 15 de novembro de 1941, com os mestres
Jerônimo, Tatá, Mané Preto e Jacaré, bem maltratados e famintos. A jangada São
Pedro, na ocasião, foi gentilmente doada pelos quatro heróis do mar ao Museu
Nacional.
No Palácio da Guanabara os lobos do mar foram recebidos pelo
ditador Getúlio Vargas que na ocasião prometeu um amparo a toda a categoria dos
pescadores. Os resultados somente foram postos em prática, verdadeiramente, depois
de três décadas daquele simbólico encontro.
Os novos heróis do mar voltaram para Fortaleza num avião da
Navegação Aérea Brasileira (NAB) onde foram aclamados no Aeroporto do Cocorote
e dali cada um dos jangadeiros continuou sua jornada de visitas e festas aos
locais onde nasceram, para viverem seus breves dias de glória.
Pouco tempo depois surge em Fortaleza, ninguém menos que o
cineasta americano Orson Welles (1915 - 1985) então já famoso pela produção da
película “ Cidadão Kane” (1941). Ele tomara
conhecimento da saga dos quatro jangadeiros cearenses através da mídia
americana e a serviço da “ política da boa vizinhança “ dos gringos viera rodar
um documentário “ It’s all true“ (É tudo verdade) contando ao vivo com a
participação da comunidade praiana incluindo os famosos “ Jacaré, Tatá, Mané
Preto e Jerônimo “. Uma jangada fora levada de navio até Salvador, para que
fossem tomadas imagens cinematográficas naquele pedaço do litoral baiano. Algo
deu errado e a jangada foi lançada contra umas pedras submersas que
despedaçaram a frágil embarcação, contudo poupando a vida dos atores/
pescadores cearenses. O projeto da filmagem seguiu em frente rumo ao Rio de
Janeiro onde a jangada São Pedro que dormitava no Museu Nacional foi cedida, sob
empréstimo, para reviver as peripécias de sua entrada nas águas da Bacia da
Guanabara com os mesmos lobos do mar “ cabeças–chatas” da aventura de 1941. A
dita embarcação mostrava o madeiro corroído, desgastado pelo tempo e que mesmo
assim foi lançada ao mar para as filmagens. De repente uma onda volumosa e
traiçoeira, despedaçou a jangada São Pedro lançando a tripulação para a
profundeza das águas revoltas. A despeito de serem exímios nadadores, apenas
três dos heróis cearenses voltaram com vida para a praia. Um deles, Jacaré, não
retornou e jamais seu corpo foi localizado. O mesmo mar que lhe servira de
berço o acolheu como gentil sepultura e ofertando como mortalha as alvas
espumas das ondas.
“Ao sopro do terral abrindo a vela/na esteira azul das águas
arrastada/segue veloz a intrépida jangada/entre os uivos do mar que se
encapela/prudente , o jangadeiro se acautela/contra os mil acidentes de
jornada/fazem-lhe , entanto, guerra encarniçada/os ventos, a chuva, os raios ,
a procela/súbito, um raio o prostra e, furioso,/da jangada o despeja na água
escura/ e, em brancos véus de espuma, o desditoso/envolve e traga a onda
intumescida/dando-lhe assim , mortalha e sepultura/o mesmo mar que o pão lhe
dera em vida “ A Morte do Jangadeiro
, poema de Padre Antônio Tomás (1868 – 1941).
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