quarta-feira, 15 de março de 2017

UMA SAGA DE LOBOS DO MAR EM 1941

Para o poeta Vicente Alencar



Transcorria o ano de 1941, em plena vigência do conflito mais letal da história da humanidade, a Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945). O Brasil vivia sob o tacão da Ditadura do Estado Novo implantada em 1937 pelo melífluo gaúcho Getúlio Dorneles Vargas (1882- 1954), aclamado como “ O Pai dos Pobres “ ou “ O Grande Timoneiro”. No estado do Ceará fincado em pleno Nordeste brasileiro, um grupo de quatro humildes pescadores, jangadeiros ou lobos do mar, gestaram um audacioso sonho de seguir até o Rio de Janeiro, capital da república, com fins de exigir direitos nas novas regras criadas pela Consolidação das Leis Trabalhistas. Em Fortaleza existiam duas colônias de pesca: a Z-1, localizada na Praia de Iracema e a Z-2, em Mucuripe. No Ceará laboravam cerca de 35.000 jangadeiros. Para a arriscada aventura rumo ao Rio de Janeiro foi confeccionada uma rústica jangada de madeira piúba, que recebeu o nome de São Pedro, pesando cerca de oitocentos quilos, medindo trinta e seis palmos de comprimento e oito de largura.
A tripulação da jangada São Pedro foi assim constituída: Manoel Olimpo de Meira (Jacaré): 38 anos; Manoel Pereira da Silva (Mané Preto): 39 anos; Jerônimo André de Sousa (Jerônimo): 35 anos; e, Raimundo Correia Lima (Tatá): 52 anos. Quatro verdadeiros gigantes!
A jangada São Pedro zarpou da Praia do Peixe ou de Iracema na manhã do dia 14 de outubro de 1941 com destino ao Rio de Janeiro, a capital federal, após uma liberação concedida pelo Ministro da Marinha, Almirante Aristides Guilhen.  Para enfrentar o mar bravio e percorrer cerca de 2.381 Km, os quatros gigantes pescadores não levavam nenhuma bússola ou carta de navegação. De dia o rei-sol servia de referência e quando o véu da noite cobria a terra, as estrelas ajudavam a traçar o rumo da viagem. Deste modo, após várias peripécias, dentre as quais o enfrentamento de um forte temporal entre os estados da Bahia e Vitória, e depois de sessenta e um dias, naquele mundão d’agua salgada, a jangada São Pedro chega triunfante à Baía de Guanabara no dia 15 de novembro de 1941, com os mestres Jerônimo, Tatá, Mané Preto e Jacaré, bem maltratados e famintos. A jangada São Pedro, na ocasião, foi gentilmente doada pelos quatro heróis do mar ao Museu Nacional.
No Palácio da Guanabara os lobos do mar foram recebidos pelo ditador Getúlio Vargas que na ocasião prometeu um amparo a toda a categoria dos pescadores. Os resultados somente foram postos em prática, verdadeiramente, depois de três décadas daquele simbólico encontro.
Os novos heróis do mar voltaram para Fortaleza num avião da Navegação Aérea Brasileira (NAB) onde foram aclamados no Aeroporto do Cocorote e dali cada um dos jangadeiros continuou sua jornada de visitas e festas aos locais onde nasceram, para viverem seus breves dias de glória.
Pouco tempo depois surge em Fortaleza, ninguém menos que o cineasta americano Orson Welles (1915 - 1985) então já famoso pela produção da película “ Cidadão Kane” (1941).  Ele tomara conhecimento da saga dos quatro jangadeiros cearenses através da mídia americana e a serviço da “ política da boa vizinhança “ dos gringos viera rodar um documentário “ It’s all true“ (É tudo verdade) contando ao vivo com a participação da comunidade praiana incluindo os famosos “ Jacaré, Tatá, Mané Preto e Jerônimo “. Uma jangada fora levada de navio até Salvador, para que fossem tomadas imagens cinematográficas naquele pedaço do litoral baiano. Algo deu errado e a jangada foi lançada contra umas pedras submersas que despedaçaram a frágil embarcação, contudo poupando a vida dos atores/ pescadores cearenses. O projeto da filmagem seguiu em frente rumo ao Rio de Janeiro onde a jangada São Pedro que dormitava no Museu Nacional foi cedida, sob empréstimo, para reviver as peripécias de sua entrada nas águas da Bacia da Guanabara com os mesmos lobos do mar “ cabeças–chatas” da aventura de 1941. A dita embarcação mostrava o madeiro corroído, desgastado pelo tempo e que mesmo assim foi lançada ao mar para as filmagens. De repente uma onda volumosa e traiçoeira, despedaçou a jangada São Pedro lançando a tripulação para a profundeza das águas revoltas. A despeito de serem exímios nadadores, apenas três dos heróis cearenses voltaram com vida para a praia. Um deles, Jacaré, não retornou e jamais seu corpo foi localizado. O mesmo mar que lhe servira de berço o acolheu como gentil sepultura e ofertando como mortalha as alvas espumas das ondas.
“Ao sopro do terral abrindo a vela/na esteira azul das águas arrastada/segue veloz a intrépida jangada/entre os uivos do mar que se encapela/prudente , o jangadeiro se acautela/contra os mil acidentes de jornada/fazem-lhe , entanto, guerra encarniçada/os ventos, a chuva, os raios , a procela/súbito, um raio o prostra e, furioso,/da jangada o despeja na água escura/ e, em brancos véus de espuma, o desditoso/envolve e traga a onda intumescida/dando-lhe assim , mortalha e sepultura/o mesmo mar que o pão lhe dera em vida “      A Morte do Jangadeiro , poema de Padre Antônio Tomás (1868 – 1941).








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