UM CANTOR , CARLITOS E FLAMBOYANT
O teto da Beira – Mar de
Fortaleza já tinto de negrume logo após o sol ser engolido pelo mar revolto
ali por traz da Ponte dos Ingleses preparava a moldura para mais uma noite de
gala na prosaica Terra da Luz , o berço
de Alencar . Era o feriado de quatro de
junho de 2015 . Um improvisado boteco na calçada da Avenida Beira –
Mar ofertava como chamariz , um cantor brega acompanhado de uma simplória guitarra elétrica gemendo uma contagiante melodia típica dos países caribenhos : salsa
e merengue .
Um ébrio transeunte , afrodescendente , pançudo e sem
camisa , se contorce num molejo todo especial , um verdadeiro “ Rudolf Nureyev tupiniquim interpretando um
Bolero de Ravel “ tendo ao lado um digno
escudeiro , um cão rafeiro de olhar excessivamente humano , balançando o rabo
sarnento “ dizendo não quando quer dizer sim “ apreciando aquele genuíno
espetáculo circense .
Qual o valor pago àquele prosaico
músico e àquele “ Carlitos negro “ serpenteando no chão morno da Avenida Beira-
Mar ? . Não sei e ninguém sabe .
Sei aferir
, contudo , o quão pouco o bicho – homem necessita para tocar a mão da bafejada
fada felicidade , mesmo que por um instante
, como ali naquele momento em
meio aquela gente simples passeando e nem percebendo aquele simples milagre corriqueiro .
“ Por quantas noites eu me vi desencantar / enquanto
os palcos desabavam sobre mim / o meu amor então beijava o meu olhar / dizia “
vamos lá ! levanta e vai
cantar ! / e eu me vestia e ela ia amamentar / nosso menino era plateia e
camarim / e dos seus seios parecia perguntar : / “
meu pai , o que é que há ? / me beija e vai cantar “ / e eu sabia que tinha que ir / pra amenizar
toda dor da cidade / e eu pousava nos pianos por aí / tal qual um sabiá pousa
num flamboyant/ por quantas vezes eu pedi a Deus de manhã / deixar eu cantar pro Brasil / pra ter no portão , o
leite e o pão / e o rabo do cão que diz não quando é sim / meu amor já na porta
de casa / tendo ao colo nosso Arlequim / me dava a impressão de um samba de Tom
Jobim / até que um dia eu resolvi desencantar /e desabei por sobre os palcos do
país / o meu amor ainda beija o meu olhar /
e eu digo : “ vamos lá ! cantar pra quem chorar “ / e eu peço a Deus
para poder doar a luz / que minha voz cumpra a missão de atenuar / toda a
amargura dessa terra de Jesus / e eu digo : “ Vera Cruz , canta pra não chorar
“ / e pros que cantam nos seus cabarés /
tenham orgulho desta profissão / pousem nos galhos dos pianos , violões / e a
voz é um colibri , nas flores das canções /
e todo dia eu peço a Deus pela manhã / “ conservai a simplicidade / para
ter no portão o leite e o pão “ / o rabo do cão que diz não quando é sim / meu
amor sempre à porta de casa / e o sorriso do meu Arlequim / e um céu de emoções
e eu sou uma luz assim / a brilhar , a brilhar , a brilhar / meu amor sempre à
porta de casa / e o sorriso do meu Arlequim / sou um samba – canção eterno de
Tom Jobim / a cantar , a cantar , a cantar / Flamboyant de Paulo César Feital e Jota Maranhão .
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