NON VIS SED ARTE ; A ARTE AO INVÉS DA FORÇA
Para o mestre Arnaldo Afonso Alves de Carvalho
Fernando Augusto Ribeiro Magalhães ( 1878 – 1944 ) , nasceu no Rio de Janeiro em 18 de fevereiro de 1878 . Seus pais foram Joaquim Ribeiro de Magalhães e Deolinda Magalhães . Bacharelou-se em ciências e letras pelo Colégio Pedro II e doutorou-se na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro em 1899 . Seguiu profícua carreira acadêmica como professor auxiliar em 1900 ; professor livre docente de Obstetrícia entre 1901 e 1910 ; professor de Clínica Obstétrica de 1911 a 1915 ; diretor do Hospital Maternidade do Rio de Janeiro de 1915 a 1918 ; catedrático de Clínica Obstétrica em 1922 . Foi diretor da Faculdade de Medicina , em 1930 e reitor da Universidade do Rio de Janeiro em 1933 . Teve atuação como deputado do Estado do Rio de Janeiro , e ocupou a Cadeira de número 33 , em 1926 , da Academia Brasileira de Letras .
Em 1917 lançou o livro “ Lições de Clínica Obstétrica “ , hoje uma raridade bibliográfica , onde no último capítulo “ Non Vis Sed Arte “ constrói com beleza impar os objetivos de uma arte obstétrica com abrangência universal , por ocasião do encerramento de um curso na Maternidade da Faculdade do Rio de Janeiro . Seguem excertos da aula proferida :
“ Pelo que vos foi dado ver , a prática obstétrica tem dois aspectos radicalmente diversos, a simplicidade absoluta que dispensa auxílio estranho e a dificuldade imperiosa que reclama solução pronta . O habitual é a primeira hipótese ; quando pela primeira vez , entrastes em uma enfermaria de partos , talvez todos os leitos estivessem ocupados por casos simples , a mesma apresentação cefálica em vésperas de atravessar um espaço pélvico amplo . O delivramento é quase imediato . Ao lado , o socorro médico inútil cruza , cientificamente, os braços , ou quando muito resume a sua atividade à função pouco significativa de cortar o cordão umbilical . Esta monotonia do caso natural educa o espírito pouco precavido no otimismo da banalidade . De súbito porém , a tranquila série de casos simples quebra- se pelo surto inesperado de um episódio acidental e temeroso . É a outra feição da especialidade que de repente obriga o critério expectante , cauteloso , paciente , a se transformar no juízo imediato , resolutivo e pronto . A inação muito prolongada faz o mesmo mal que a atividade pressurosa , no tocante à psicologia profissional , porque se o hábito da intervenção prematura cria a perniciosa paixão pelo risco dá também atributos de destreza , e se a cega confiança no naturismo compensa , às vezes , milagrosamente , pode inutilizar as energias eficientes . Nem o máximo, nem o mínimo .
Devem – se evitar os extremos a que chegaram as escolas de Paris e de Londres , no século XVIII; na primeira , como dizia Boer , só se aprendia o que a arte podia dar ; na outra só se sabia o que a natureza podia fazer . Só é videiro no ofício quem lhe conhece bem as necessidades e consegue remove –las . Para tal mister é indispensável boa cultura , boa observação e boa disciplina . Cultura de doutrinas , observação de fatos e disciplina de princípios .A arte apurada e o abandono da força , cujos malefícios , a todo instante , por si ou pelos meios estranhos que exige , a função parturiente demonstra . E a força é justamente o recurso dos tímidos , vencidos na sua interminável esperança de chofre sacudidos pela imposição do momento e que se atiram à violência dominadora . A força é o inimigo maior do profissional , é o maior perigo para o feto , é a maior ameaça para a parturiente .
Já em 1788 Denman ensinava que todos os erros da prática não provinham da ignorância , mas da grande confiança que o profissional tem nela e na sua habilidade . Por isso o velho dogma “ a arte no lugar da força “ . Aquela arte que ditou o profundo pensamento de Baudelocque ( 1776 ) “ nada em obstetrícia substitui a mão adestrada “ .
Na prática que vos espera há muito de imprevisto e de doloroso , tantas vezes vos aproximareis do irremediável que é preciso evita- lo . Isto só se consegue obedecendo ao mandamento – non vis sed arte - . Pela força é que se chega às grandes tragédias clínicas , onde tudo desaparece , a existência do feto , a vida da parturiente e a boa fama do profissional “ .
Logo mais o “ Lições de Clínica Obstétrica “ do venerável Fernando Magalhães chegará a uma centúria , ainda atual e instigante .
Nenhum comentário:
Postar um comentário