domingo, 7 de junho de 2015

NON VIS SED ARTE  ;  A ARTE AO INVÉS DA FORÇA
Para o mestre Arnaldo Afonso Alves de Carvalho

Fernando Augusto Ribeiro Magalhães ( 1878 – 1944 ) , nasceu no Rio de Janeiro em 18 de fevereiro de 1878 . Seus pais foram Joaquim Ribeiro de Magalhães e Deolinda  Magalhães . Bacharelou-se em ciências e letras pelo Colégio Pedro II e doutorou-se na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro em  1899 .  Seguiu profícua  carreira acadêmica como professor auxiliar em 1900 ; professor livre docente de Obstetrícia entre 1901 e 1910 ; professor de Clínica Obstétrica de 1911 a 1915 ; diretor do Hospital Maternidade do Rio de Janeiro de 1915 a 1918 ; catedrático de Clínica Obstétrica em 1922 . Foi diretor da Faculdade de Medicina   , em 1930 e reitor da Universidade do Rio de Janeiro em 1933 . Teve atuação como deputado do Estado do Rio de  Janeiro ,   e  ocupou a Cadeira de número 33 , em 1926 , da Academia Brasileira de Letras .
Em 1917 lançou o livro  “ Lições de Clínica Obstétrica “ , hoje uma raridade bibliográfica , onde no  último capítulo “ Non Vis Sed Arte “ constrói com beleza impar os objetivos de uma arte obstétrica com abrangência universal  ,  por ocasião do encerramento de um  curso na Maternidade da Faculdade do Rio de Janeiro . Seguem  excertos  da aula proferida  :
“   Pelo  que vos foi dado ver , a prática obstétrica tem dois aspectos radicalmente diversos, a simplicidade absoluta que dispensa auxílio estranho e a dificuldade imperiosa  que reclama solução pronta . O habitual é a primeira hipótese ; quando pela primeira vez , entrastes em uma enfermaria de partos , talvez todos os leitos estivessem ocupados por casos simples , a mesma apresentação cefálica em vésperas de atravessar um espaço pélvico  amplo . O delivramento  é quase imediato . Ao lado , o socorro médico inútil cruza , cientificamente,  os braços , ou quando muito resume a sua atividade à função pouco significativa de cortar o cordão umbilical . Esta monotonia do caso natural educa o espírito pouco precavido no otimismo da banalidade . De súbito porém , a tranquila série de casos simples quebra- se pelo surto inesperado de um episódio acidental e temeroso .  É a outra feição da especialidade que de repente obriga o critério expectante , cauteloso , paciente , a se transformar no juízo imediato , resolutivo e pronto . A inação muito prolongada faz o mesmo mal que a atividade pressurosa , no tocante à psicologia profissional , porque se o hábito da intervenção prematura cria a perniciosa paixão pelo risco dá também atributos de destreza , e se a cega confiança no naturismo compensa , às vezes , milagrosamente , pode inutilizar as energias eficientes .  Nem o máximo, nem o mínimo .
Devem – se evitar os extremos a que chegaram as escolas de Paris e de Londres  , no século XVIII;  na primeira , como dizia Boer , só se aprendia o que a arte podia dar ; na outra só se sabia o que a natureza podia fazer . Só é  videiro no ofício quem lhe conhece bem as necessidades e consegue remove –las . Para tal  mister é indispensável boa cultura , boa observação e boa disciplina . Cultura de doutrinas  , observação de fatos e disciplina de princípios .A arte apurada e o abandono da força , cujos malefícios , a todo instante , por si ou pelos meios estranhos que exige , a função parturiente demonstra . E a força é  justamente o recurso dos tímidos , vencidos na sua interminável esperança de chofre sacudidos pela imposição do momento e que se atiram à violência dominadora . A força é o inimigo maior do profissional  , é o maior perigo para o feto , é a maior ameaça para a parturiente .
Já em 1788 Denman ensinava que todos os erros da prática não provinham da  ignorância , mas da grande confiança  que o profissional tem nela e na sua habilidade . Por isso o velho dogma “ a arte no lugar da força “ . Aquela arte que ditou o profundo pensamento de Baudelocque ( 1776 ) “ nada em obstetrícia substitui a mão adestrada “ .
Na prática que vos espera  há muito de imprevisto e de doloroso ,  tantas vezes vos aproximareis do irremediável que é preciso evita- lo . Isto só se consegue obedecendo ao mandamento – non vis sed arte - .  Pela força é que se chega às grandes tragédias  clínicas , onde tudo desaparece , a existência do feto , a vida da parturiente e a boa fama do profissional “ .
Logo mais o “ Lições de Clínica Obstétrica “ do venerável  Fernando Magalhães chegará a uma centúria  , ainda atual e instigante .





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