Assis Valente - Sossega Leão
" Boneca de pano / gingando num cabaré / poderia ser bonequinha de louça/ tão moça, mas não é/ um dia alguém a chamou de boneca / e ela sendo mulher , acreditou / o tempo foi se passando/ e ela se desmanchando/ e hoje quem olha pra ela / não diz quem é/ em vez de boneca de louça/ hoje é boneca de pano/ de um sombrio cabaré ".
No " colar de pérolas do pecado " que envolvia com um gentil abraço o centro da Loura Desposada do Sol , num passado recente, " bonequinhas de pano " jogavam confetes e suas mágoas no colo de tristes boêmios notívagos. Assis Valente , espiritualmente , gemia suas dores nas boates Fascinação, Continental , Leila , e no nostálgico Bar da Alegria , em Fortaleza .
Assis Valente ( 1911 - 1958 ) , nasceu no Caminho de Bom Jardim a Patioba, na Bahia , no ano de 1911 . Seus pais , José de Assis Valente e Maria Esteves Valente , cedo entregaram o petiz para ser criado por outra família . Assis realizou o sonho torto de muita gente , fugindo nas asas de um circo mambembe por esse mundo afora .
Em Salvador , frequentou o Liceu de Artes e Ofícios , onde tirou uma especialização em próteses dentárias.
Em 1932 , na Cidade Maravilhosa , conheceu o compositor Heitor dos Prazeres que o incentivou a seguir adiante , ao ser apresentado a algumas de suas composições musicais . Assis Valente lançou uma infinita quantidade de músicas que ganharam asas nas vozes de Francisco Alves e Carmen Miranda , por quem o protético Assis nutria uma paixão platônica.
Camisa listrada ; Boas Festas ; Boneca de pano ; Brasil pandeiro ; Cai , cai , balão; são alguns dos sucessos lançados por Assis Valente .
Assis casou - se em 1941 e pouco tempo depois separou - se , deixando uma filha , Nara Nadili, nascida em 1942 . Neste turbulento período , Assis atirou - se do alto do Corcovado, sendo , milagrosamente, amparado pelos galhos de uma árvore amiga .
Salvou - se .
Tempos depois , cortou o pulso esquerdo com uma lâmina de barbear .
Sobreviveu .
Por coincidência, no dia seguinte a esse triste episódio , uma parceira de infortúnio, Maysa Matarazzo, a musa da fossa , o imita e vai parar num hospital para ligeiros reparos . Ela ainda tentaria em outras ocasiões buscar a paz , a seu modo .
Duas almas - gêmeas, dois cometas . Assis Valente viveu 48 anos , Maysa , viveu 40 anos .
Assis elaborava canções numa velocidade alucinante, e muitas delas foram vendidas para o pagamento de dívidas. Estas o levaram a um definitivo encontro com a indesejada das gentes . Em 10 de março de 1958 , Assis passou em busca de uns numerários salvadores , na Sociedade Arrecadadora de Direitos Autorais . Ali dinheiro não havia , e Assis recebera das mãos do tesoureiro, somente um remédio tranquilizante .
Assis ligou para o seu editor , Vicente Vitale, e para o embaixador e amigo Pascoal Carlos Magno , dando conta de seu firme propósito de parar de vez com com o seu atroz sofrimento terreal .
Os dois contatados tentaram falar com a polícia. Foi tudo em vão.
Solitário, num prosaico banco de praça, Assis Valente , confirmando a robustez de seu sobrenome , enfrentou de frente a parca , ingerindo guaraná com formicida .
Acabou !
Num bilhete , pedia ao compositor Ary Barroso que quitasse uma dívida pendente , igual ao que fizera Sócrates, o filósofo grego , que antes de beber a sicuta , mandou que fosse entregue , como pagamento de uma dívida, um galo a Asclépio .
Deste modo , ambos deixaram a vida para caírem, de vez , nos braços da história .
" Vestiu uma camisa listrada e saiu por aí/ em vez de tomar chá com torrada / ele bebeu parati / levava um canivete no cinto e um pandeiro na mão/ e sorria quando o povo dizia : sossega leão, sossega leão/ tirou o seu anel de doutor pra não dar o que falar / e saiu dizendo mamãe eu quero mamar , mamãe eu quero mamar/ levou um saco de água quente para pra fazer chupeta / rompeu minha cortina de veludo pra fazer uma saia / abriu meu guarda - roupa e arrancou minha combinação/ e até do cabo de vassoura ele fez um estandarte / para o seu cordão/ agora que a batucada já vai começando/ não deixo e não consinto o meu querido debochar de mim / porque se ele pega minhas coisas / vai dar o que falar / se fantasia de Antonieta / e vai brincar no Bola - Preta até o sol raiar " .
Acabou !
Nenhum comentário:
Postar um comentário