Um Simples Olhar sobre o Anoitecer da Vida
" O que há de interessante numa vela ? Não é a cera nem o pavio . É a chama .Quer a vela seja nova ou esteja se acabando, a chama é a mesma , produz o mesmo calor e a mesma luz . Assim , também o que importa no ser humano não é apenas o seu corpo , perecível e mortal , mas sua inteligência, seu ser , o mesmo do nascimento à morte .
Por favor , não tenha pressa , pois um certo dia , ela se desnuda , sorrateira, como uma maré, lentamente , lambendo a areia da praia , ou de forma súbita na voz de um petiz num semáforo :
" - Vai lá, vovô, descola aí um trocado para matar minha fome " ; ou , simplesmente, uma mão salvadora sendo ofertada para ajudar na travessia de uma movimentada avenida .
O xeque - mate fica por conta do indiscreto espelho do banheiro , desenhando rugas e cinzelando sulcos num surpreso rosto que nunca se mostrou daquele jeito .
Pura crueldade , triste realidade , não ?
Se achegue e ponha - se á mesa , minha "nova " companheira !
Ademais , aparecem os velhos clichês de sempre :
" Um dos privilégios da velhice é ter , fora da própria idade , todas as idades ".
" Envelhecer aborrece , mas é o único meio para viver um longo tempo ".
" Todos querem viver muito tempo , mas ninguém quer envelhecer ".
Envelhecer , de Michel Quoist (1921 - 1997) :
" Envelheço, Senhor, e é penoso envelhecer !
Não posso mais correr , nem andar depressa.
Não posso mais carregar peso
E subir depressa a escada de casa ...
Minha memória fraqueja e , rebelde , oculta - me datas e nomes que , contudo conhece .
Cada dia mais , vejo - me só ,
Só com minhas lembranças e meus antigos dissabores que no meu coração continuam vivos,
Enquanto as alegrias muitas vezes ficam esquecidas ... Senhor , como acreditar que o tempo de hoje , seja o mesmo de ontem que corria tão veloz , certos dias , certos meses, tão velozes que não conseguia alcançá - los , fugiam de mim
Antes que eu pudesse enche - los de vida ?
Hoje tenho tempo , Senhor , tempo demais .
Tempo que se amontoa a meu lado , sem serventia . Eu estou aí , imóvel, inútil .
Envelheço, Senhor , e é penoso envelhecer , tanto que alguns dos meus amigos te pedem amiúde , o fim desta vida que se torna , pensam , agora inútil.
- Estão enganados , meu pequeno - diz o Senhor .
- E tu também que não o dizes , mas , às vezes, os aprovas ...
Pois um coração que bate , embora muito desgastado ,
Ainda dá vida ao corpo que habita .
E o amor neste coração pode brotar .
Muitas vezes mais intenso e mais puro
Quando o coração cansado lhe deixa enfim lutar .
Vidas transbordantes podem estar vazias de amor , enquanto outras , parecendo banais , irradiam até o infinito.
Vê minha mãe, Maria , chorando
Parada ao pé da cruz .
Estava aí. De pé, sim ,
Mas também impotente, tragicamente impotente , nada fazia , só estava aí.
Toda recolhida , toda acolhedora , e inteiramente ofertante ,
E foi também comigo que salvou o mundo ,
Dando - lhe todo o amor perdido pelos homens
Nas estradas do tempo ...
Acredita em mim , tua vida hoje pode ser mais rica que ontem , se aceitares vigiar , sentinela imóvel na tarde que se finda . E se sofres por não teres mais nada nas mãos para me dar ,
Oferece - me tua impotência. E , juntos, digo - te :
Continuaremos salvando o mundo " .
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