O Andarilho
"Eu já disse quem sou Ele.
Meu nome é Andaleço.
Andando devagar eu atraso o final do dia.
Caminho por beiras de rios conchosos.
Para as crianças da estrada eu sou o Homem do Saco.
Carrego latas furadas , pregos , papéis usados.
( Ouço arpejos de mim nas latas tortas.)
Não tenho pretensões de conquistar a inglória imperfeita.
Os loucos me interpretam.
A minha direção é a pessoa do vento.
Meus rumos não têm termômetro.
De tarde arborizo pássaros.
De noite os sapos me pulam.
Não tenho carne de água.
Eu pertenço de andar atoamente.
Não tive estudamento de tomos.
Só conheço as ciências que analfabeta.
Todas as coisas têm ser ?
Sou um sujeito remoto.
Aromas de jacintos me infinitam
E estes termos me somam."
Penso que devemos conhecer algumas poucas cousas sobre a fisiologia de andarilhos. Avaliar até onde o isolamento tem o poder de influir sobre os seus gestos, sobre a abertura de sua voz, etc. Estudar talvez a relação desse homem com as árvores, com as suas chuvas, com as suas pedras. Saber mais ou menos quanto tempo o andarilho pode permanecer em suas condições humanas, antes de se adquirir do chão a modo de um sapo. Antes de se unir às vergônteas como as parasitas. Antes de revestir uma pedra à maneira do limo.
Antes mesmo de ser apropriado por talentos como os lagartos. Saber com exatidão quando que um modelo de pássaro se ajuntará à sua voz. Saber o momento em que esse homem poderá sofrer de prenúncios . Saber enfim qual o momento em que esse homem começa a adivinhar.
Manoel de Barros (1916 - 2014 ) : escritor brasileiro pertencente à terceira geração modernista , nascido em Cuiabá, Mato Grosso.
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