O PASSADO/LUAR DO SERTÃO
PARA O MENESTREL FRANCISCO JOSÉ
PESSOA
Ah! quantas
vezes eu não digo/ao meu Passado esse amigo/que me alenta no sofrer/- “acorda,
tem paciência! /anda conversar comigo/e perdoa a impertinência/de tanto te
aborrecer!”/e o pobre velho, coitado/mal dormido e já cansado/de tanto e tanto
o chamar/levanta-se, bocejando/e vem a mim , caminhando/passo a passo, a me
fitar/ao meu convite assentindo/penteando os cabelos brancos/e as barbas
brancas, sorrindo/jovialmente se vestindo/com suas vestes de cores/deitando o
barco no rio/cujas margens reverdecem/com seus antigos verdores/acendendo as
luminárias/as multifárias lanternas/de luzes multicolores/oferecendo-me a
taça/de seus mágicos licores/licores que fez das lágrimas/de nossos velhos amores/e,
por fim, saudando a lua/que em seus mágicos fulgores/já tantas vezes saudou/- o
meu passado, embarcando/soltando a vela e remando/para a nascente do rio/que já
tão longe ficou/- cantando, e, às vezes, chorando/na viagem me vai mostrando/no
próprio espelho das águas/os meus prazeres e mágoas/tudo quanto já passou
!/mas, basta um leve arrepio/no liso espelho do rio/quebrando,
instantaneamente/todo o encanto da visão/para eu ver, desiludido/que tudo é um
sonho perdido/um sonho só, refletido/não no espelho da corrente/mas no cristal
transparente/de minha imaginação !/
Pois só
assim é que eu vejo/que o barqueiro, o velho amigo/que vai cantando
comigo/revivendo o tempo antigo/que o tempo já devorou/é um homem
transfigurado/é um morto ressuscitado/é o cadáver do Passado/que a saudade
embalsamou/mas, inda assim, abençoado/bendito seja o Passado/que inda depois de
morrer/ao menos, pela memória/concede-me a excelsa glória/- glória de reviver!”
“O Passado”,
poema de Catulo da Paixão Cearense (1863 -1946), músico, poeta e compositor
brasileiro, nascido em São Luís do Maranhão, filho de pai cearense, e, mãe
maranhense. Autor da música “Luar do Sertão”:
“Não há, oh!
gente. oh! não/luar como esse do sertão/oh, que saudades do luar da minha
terra/lá na serra branquejando/folhas secas pelo chão/este luar cá da cidade
tão escuro/não tem aquela saudade do luar lá do sertão/se a lua nasce por
detrás da verde mata/mais parece um sol de prata/prateando a solidão/a gente
pega na viola que ponteia/e a canção é a lua cheia/ a nos nascer do
coração/coisa mais bela neste mundo/não existe/do que ouvir-se um galo
triste/no sertão, se faz luar/parece até que a alma da lua descansa/escondida
na garganta/desse galo a soluçar/ah, quem me dera/eu morresse lá na
serra/abraçado a minha terra/e dormindo de uma vez/ser enterrado numa grota
pequenina/onde a tarde a sururina/ chora a sua viuvez/não há, oh! gente. oh!
não/luar como esse do sertão”
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