ÁREA DA FOME, DE JÁDER DE CARVALHO
“Nunca me conformei com a inclusão do Ceará na “área da fome”, de que fala o professor Josué de Castro. É verdade que, em nossa província, já se comeu mais e melhor. Mas, apesar da ausência do queijo, do leite e da carne de bode na dieta sertaneja, ainda assim não é justo, nem lógico, o enquadramento do Ceará na área da subnutrição. O nosso povo é magro, mas não esquelético. Alimenta-se menos do que há trinta anos, mas não deve ser posto ao lado do indiano ou do felá. Uma população faminta não realizaria, sem dúvida, a obra gigantesca do nosso rurícola, responsável por toda a nossa produção agrária. Ele trabalha de sol a sol no cabo da enxada.
Curva-se sobre a terra o ano todo, cuidando do seu roçado e dos roçados alheios. E não comparece no índice da mortalidade com uma percentagem que se pudesse dizer alarmante.
Por que tanta fortaleza física? De onde promana essa energia que não se esgota nunca? Um homem mal alimentado enfrentaria o labor diurno e pesado com a mesma galhardia do sertanejo?
E, com certeza, nisso não entra o sobrenatural, em forma de milagre. O músculo de nosso trabalhador rural apoia-se no feijão e na rapadura. Enquanto, no sertão, houver poder aquisitivo, da parte do homem pobre, para a obtenção da rapadura, ele não deve incluir-se entre as criaturas que não comem.
Na minha fazenda, amparo-me no braço de cinco ou seis trabalhadores de enxada, para a limpa da cana, plantio de cereais e corte de lenha para o engenho. E, acreditem-me, jamais notei o menor desfalecimento entre os que me ajudam, mediante um salário que não é grande, porém não é pequeno demais. Cantam, assoviam, trocam gracejos – sintoma evidente de que não o fazem para espantar tristezas, mas simplesmente porque se sentem bem, apesar da pobreza.
E que comem esses homens? Comem feijão, farinha, milho e rapadura. Raramente a carne lhes chega à boca. Apenas, uma vez perdida, o toucinho enfeita e tempera o feijão.
Quando os dentes dessas criaturas trincam a rapadura, eu me rio -mas rio mesmo- dos sábios oficiais que anunciam a morte próxima da rapadura, substituída pelo açúcar. No mato o doce é e será por muito tempo ainda – a rapadura.
Enquanto o homem do campo não se encontrar em condições de adquirir carne, leite e açúcar, aquela não perderá seu trono, assegurando a sobrevivência de milhões de seres humanos que os governos e as classes dominantes relegaram ao mais completo abandono.
Não, não se inscreva o Ceará na área da fome. Aliás, o prof. Silva Melo também discorda – e com brilho e dados fulminantes – da opinião de Josué de Castro.
Pena é que essa fortaleza de músculo e de vigor físico ainda espere o seu poeta, o seu sociólogo e o seu romancista, continuando ignorada ou subestimada pelos que se propõem a governar o Brasil, mas desgraçadamente não se afastam do mar, arranhando o litoral como caranguejos.”
Crônica da autoria do ilustre poeta, escritor, advogado e jornalista cearense Jáder Moreira de Carvalho (1901 – 1985) extraída do livro “Meu Passo na Rua Alheia” da Editora Terra de Sol, 1981.
Hoje, meio século depois, o sofrido torrão cearense continua sob o jugo da foice e do martelo, com” políticos – caranguejos” ainda reverenciando tétricas figuras de nomes diminutos e portadores de colossal maldade como, Marx, Lenin, Stalin, Mao, Che e Fidel. E o povo famélico portando a beligerante peixeira, ora turbinada com um demoníaco instrumento que cospe fogo toldando a “Terra de Sol” em “Terra de Sangue” e, perversamente, imolando inocentes “Cecílias e Nayanas”.
Muda Ceará, acorda desta letargia insana, enquanto é tempo!
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