segunda-feira, 3 de outubro de 2016

ENCONTROS PROSAICOS COM A MORTE

Para o Dr. Francisco Pessoa


O motor que move a humanidade, invariavelmente, chama - se sonho. A busca da felicidade, da eterna juventude e da imortalidade permeiam as aspirações do bicho homem. Ninguém imagina um encontro, nem de brincadeira, com a “indesejada das gentes“, a velha ceifadeira.
No ano da graça de 1954 no Balneário Pirapora na Serra de Maranguape, nos arredores de Fortaleza de Nossa Senhora de Assunção, um garoto de 4 anos de idade , gorducho e dentuço curtia numa boia as delícias de um banho de piscina . Um adulto desastrado mergulhou próximo ao garoto que desequilibrado foi como uma pedra parar no fundo da piscina. Uma alma bondosa puxou pelos cabelos um ser arroxeado, nocauteado e que foi prontamente atendido com respiração boca-a – boca. O indigitado garoto escapou daquele furdunço sem máculas. O segundo encontro com a ceifadeira deu-se numa madrugada chuvosa em Fortaleza quando o , agora parteiro, indo atender uma emergência, ao cruzar a linha férrea na avenida Antônio Sales , sentiu o bafo morno da morte quando uma locomotiva , de luz apagada e sem sirene , por um segundo não atropelou o carro do sortudo doutor . O garoto que nasceu depois de alguns minutos pelas mãos do tal obstetra, no vizinho Hospital Batista Memorial, recebeu o nome de Francisco, como uma sincera homenagem. O doutor alardeava a todos que, a partir daquele dia, nascera novamente. O último encontro com a morte, agora mais sério, deu-se com o indigitado homem de branco, partejando, e que súbito, após um episódio de arritmia cardíaca desembocou  numa grave parada cardíaca. Reanimado  a tempo, tomou pouso numa Unidade de Tratamento Intensivo ( UTI ) . No dia seguinte ao acordar, em meio a fios e monitores barulhentos, o parteiro velho, agora um anônimo paciente, acenou para uma bela morena cor de chocolate, que se apresentou como “-  Judite , muito prazer , sua auxiliar de enfermagem “ .
 “ – Preciso de um bom banho para dar continuidade a minha vida de velho asseado e cheiroso que nem filho de barbeiro “
“ – Seu Francisco , o banho é aqui mesmo no leito . Vou lhe despir e  ensaboar gostoso  com direito a uma massagem revigorante que desperta até defunto ! “
“ – Judite , meu doce de coco , neste quesito , só minha velha, o meu bibelô de penteadeira , com suas divinas mãos, consegue tal façanha. Com você , cabritinha , isto pode terminar numa real refrega ! “
“Seu Francisco,  eu lhe entendo , perfeitamente: os velhos são crianças duas vezes“
 Que balde d’ água fria, meu Deus! “
Só a grande dama Cecília Meireles ( 1901 – 1964 ) para acalentar , com uma “ Canção Quase Inquieta “ :
“ De um lado , a eterna estrela /e do outro a vaga incerta/meu pé dançando pela/extremidade da espuma /e meu cabelo por uma planície de luz deserta /sempre assim:/de um lado , estandartes do vento.../-do outro , sepulcros fechados /e eu me partindo, dentro de mim/para estar no mesmo momento/ de ambos os lados/se existe a tua Figura/ se és o Sentido do Mundo /deixo- me , fujo por ti /nunca mais quero ser minha !/( mas neste espelho, no fundo/desta fria luz marinha/como dois baços peixes/ nadam meus olhos à minha procura /ando contigo – e sozinha / vivo longe- e acham – me aqui )/fazedor da minha vida/ não me deixes!/entende a minha canção!/tem pena do meu murmúrio/ reúne –me em tua mão!/que eu sou gota de mercúrio/dividida/desmanchada pelo chão ../


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