ENCONTROS PROSAICOS
COM A MORTE
Para o Dr. Francisco
Pessoa
O motor que move a humanidade, invariavelmente, chama - se
sonho. A busca da felicidade, da eterna juventude e da imortalidade permeiam as
aspirações do bicho homem. Ninguém imagina um encontro, nem de brincadeira, com
a “indesejada das gentes“, a velha ceifadeira.
No ano da graça de 1954 no Balneário Pirapora na Serra de
Maranguape, nos arredores de Fortaleza de Nossa Senhora de Assunção, um garoto
de 4 anos de idade , gorducho e dentuço curtia numa boia as delícias de um
banho de piscina . Um adulto desastrado mergulhou próximo ao garoto que
desequilibrado foi como uma pedra parar no fundo da piscina. Uma alma bondosa
puxou pelos cabelos um ser arroxeado, nocauteado e que foi prontamente atendido
com respiração boca-a – boca. O indigitado garoto escapou daquele furdunço sem
máculas. O segundo encontro com a ceifadeira deu-se numa madrugada chuvosa em
Fortaleza quando o , agora parteiro, indo atender uma emergência, ao cruzar a
linha férrea na avenida Antônio Sales , sentiu o bafo morno da morte quando uma
locomotiva , de luz apagada e sem sirene , por um segundo não atropelou o carro
do sortudo doutor . O garoto que nasceu depois de alguns minutos pelas mãos do tal
obstetra, no vizinho Hospital Batista Memorial, recebeu o nome de Francisco,
como uma sincera homenagem. O doutor alardeava a todos que, a partir daquele
dia, nascera novamente. O último encontro com a morte, agora mais sério, deu-se
com o indigitado homem de branco, partejando, e que súbito, após um episódio de
arritmia cardíaca desembocou numa grave
parada cardíaca. Reanimado a tempo,
tomou pouso numa Unidade de Tratamento Intensivo ( UTI ) . No dia seguinte ao
acordar, em meio a fios e monitores barulhentos, o parteiro velho, agora um
anônimo paciente, acenou para uma bela morena cor de chocolate, que se
apresentou como “- Judite , muito prazer
, sua auxiliar de enfermagem “ .
“ – Preciso de um bom
banho para dar continuidade a minha vida de velho asseado e cheiroso que nem
filho de barbeiro “
“ – Seu Francisco , o banho é aqui mesmo no leito . Vou lhe
despir e ensaboar gostoso com direito a uma massagem revigorante que
desperta até defunto ! “
“ – Judite , meu doce de coco , neste quesito , só minha
velha, o meu bibelô de penteadeira , com suas divinas mãos, consegue tal
façanha. Com você , cabritinha , isto pode terminar numa real refrega ! “
“Seu Francisco, eu lhe
entendo , perfeitamente: os velhos são crianças duas vezes“
Que balde d’ água
fria, meu Deus! “
Só a grande dama Cecília Meireles ( 1901 – 1964 ) para
acalentar , com uma “ Canção Quase Inquieta “ :
“ De um lado , a eterna estrela /e do outro a vaga
incerta/meu pé dançando pela/extremidade da espuma /e meu cabelo por uma
planície de luz deserta /sempre assim:/de um lado , estandartes do vento.../-do
outro , sepulcros fechados /e eu me partindo, dentro de mim/para estar no mesmo
momento/ de ambos os lados/se existe a tua Figura/ se és o Sentido do Mundo
/deixo- me , fujo por ti /nunca mais quero ser minha !/( mas neste espelho, no
fundo/desta fria luz marinha/como dois baços peixes/ nadam meus olhos à minha
procura /ando contigo – e sozinha / vivo longe- e acham – me aqui )/fazedor da
minha vida/ não me deixes!/entende a minha canção!/tem pena do meu murmúrio/
reúne –me em tua mão!/que eu sou gota de mercúrio/dividida/desmanchada pelo
chão ../
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