Uma Tábua de Salvação
Um septuagenário , boêmio, ateu e " rapaz velho " , sentindo chegar a sua hora de encarar a velha Parca , em seu casebre no Arraial Moura Brasil , ali próximo à Santa Casa de Misericórdia de Fortaleza , pediu socorro a um idoso esculápio , antigo companheiro nas libações de Baco e de Vênus :
- Doutor, quando eu fechar os olhos para este mundo , o que me aguarda do outro lado , se é que existe este outro lado ?
- Meu companheiro, para setenta - janeiros bem vividos , a safra foi razoável, e compartilhamos , quase que integralmente , com nossos irmãos de estrada terreal , as Sete Virtudes Capitais :
Humildade , caridade , paciência , diligência , generosidade , temperança , e castidade .
Compreender o universo , diz Spinoza , é estar libertado dele . Compreender tudo , é estar livre de tudo . Somos escravos de tudo o que ignoramos - somos livres de tudo o que sabemos .
- Confie em mim . A eternidade que lhe aguarda vai ser uma festa gozosa junto a amigos e amigas , longe da irascível ampulheta do tempo , entendeu ?
- Entendi , e vou fazer força para acreditar , mas me explique por que nunca ninguém me alertou para isso antes ? E o que vai ser de mim sem a prazerosa companhia das morenas fogosas do Passeio Público , da Praça da Estação , da Praça dos Leões, e do querido Curral ?
O velho boêmio, puxando profundamente o ar , cerrou os olhos , mansamente , com um leve sorriso nos lábios , segurando a mão firme do doutor amigo e boêmio, ambos sem resposta pronta e definitiva para o grande mistério do além.
" Deixo os versos que escrevi / as cantigas que cantei / cinco ou seis coisas que eu sei / e um milhão que esqueci / deixo este mundo daqui/ selva com lei de cassino/ vou renascer num menino / num país além do mar... /licença que eu vou rodar/ no carrossel do destino/ enquanto eu puder viver/ tudo que o coração sente/ o tempo estará presente/ passando sem resistir/ na hora que eu for partir/ para as nuvens do divino/ que a viola seja o sino/ tocando pra me guiar/ licença que eu vou rodar / no carrossel do destino/ romances e epopeias/ me pedindo pra brotar/ e eu tangendo devagar/ a boiada das ideias/ sempre em busca das colmeias/ onde brota o mel mais fino/ e um só verso, pequenino/ mas que mereça ficar/ licença , que eu vou rodar no carrossel do destino "
" Carrossel do Destino " , composição musical da autoria de Antônio Nóbrega , e Bráulio Tavares .
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