A Um Alegre Velhote
" Meu caro amigo , não se preocupe com os seus 65 anos ainda tão jovens . Vou lhe contar uma estória bastante encorajadora .
Havia em São Paulo , faz coisa de vinte anos , bem no centro da cidade , ali pela Xavier Toledo , um barzinho - restaurante muito simpático , muito bem cuidado , ao mesmo tempo muito boêmio.
Alegres meninas trêfegas compareciam acompanhadas da última conquista , mulheres maduras que rejuvenesciam à penumbra generosa entravam saltitantes , pela madrugada vinham moças ruidosas e rapazes desinsofridos e homens e mulheres de meia - idade - muitos deles e muitas delas .
Não falta quem censure a presença dos velhos em lugares que têm calor de juventude , música , ritmo , amor de juventude , não falta quem os critique.
Eu não, amigo . Eu sempre defendi os alegres velhotes . Se a jovem companhia lhe faz bem , se até os torna mais novos , mais eufóricos , que a procurem : será muito melhor do que ficar ruminando tristuras , chorando o passado , lamentando o presente , aflitos com o futuro , pranteando os mortos , criticando Deus e o mundo , inconformados com as novidades que a evolução vai trazendo naturalmente .
Ah , meu Deus , se eles têm dinheiro, saúde , disposição, , tempo , vontade , haverá algum motivo para impedi - los ou para censurá- los , nesta busca de alegria , de convivência , por que não dizer , de amor ?
É uma questão de coerência: os tristes envelhecem tristes, os contemplativos contemplando , os místicos orando , os avarentos contando dinheiro , os pessimistas anunciando desgraças , os mentirosos mentindo , os bajuladores rastejando , os preguiçosos folgando , os lutadores combatendo . Que os alegres tenham, pois , o direito de envelhecer alegremente .
Naquele barzinho paulista , a música era trazida pelas mãos dum pianista tão velhinho, que parecia os velhos fabricados em cinema. Era preciso ver o sentimento que ele punha nas velhas valsas de Strauss.
Pois num fim de noite , sentada a uma mesa junto do piano estava uma moça bonitona , planturosa , ouvindo atenta a música do velhinho como se bebesse encantada cada nota . E quando o pianista encerrou seu expediente, saíram os dois de braços dados . Aí minha curiosidade não se aguentou , chamei o garçon , e indaguei : - é filha dele ? . Ao que o garçon , rindo seu melhor sorriso de malícia , informou lacônico: - nada . É amante mesmo . Ele não passa sem uma .
Pense em tudo isto , amigo - e veja que seus 65 anos ainda tem bastante saldo .
Um abraço do M . "
Excertos da crônica " A Um Alegre Velhote , do livro " Cartas Sem Resposta " , da autoria de Milton Dias ( 1919 - 1983 ) , contista , cronista, ensaísta, orador , jornalista , e professor de Línguas e Literatura Francesa no Curso de Letras da UFC . Fundador do Grupo Clã .
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