sexta-feira, 12 de junho de 2020

ARTHUR BISPO DO ROSÁRIO X EDUARDO GALEANO
Arthur Bispo do Rosário (1909 – 1989), um gênio louco, organizador do caos, não teve orientação didática nem conviveu com qualquer artista plástico que imprimisse alguma influência em seu alentado trabalho manual. O “ Manto da Apresentação “ representa sua obra mais significativa e consiste num fardão com o nome de pessoas importantes para que não houvesse esquecimento por ocasião do Juízo Final. Quando perguntado quando iria se transformar em Jesus Cristo, Arthur respondia resoluto: “ - Não vou me transformar não, rapaz, você está falando com Ele”.
Eduardo Galeano (1940- 2015), um mago da palavra, o poeta pleno do “ amor que passa, da vida que pesa e da morte que pisa “ disseca o gigante Arthur Bispo do Rosário com leveza e arte no Inventário Geral do Mundo:
“ Arthur Bispo do Rosário foi negro, pobre, marinheiro, lutador de boxe e artista por conta de Deus.
Viveu num manicômio do Rio de Janeiro.
Lá, os sete anjos azuis transmitiram a ele a ordem divina: Deus mandou-o fazer um inventário geral do mundo.
A missão encomendada era monumental. Arthur trabalhou dia e noite, cada noite, cada dia, até que no inverno de 1989, quando estava em plena tarefa, a morte agarrou-o pelos cabelos e o levou.
O inventário do mundo, inconcluso, estava feito de ferro-velho,
Vidros quebrados,
Vassouras calvas,
Chinelas caminhadas,
Garrafas bebidas,
Lençóis dormidos,
Rodas viajadas,
Bandeiras vencidas,
Cartas lidas,
Palavras esquecidas e
Águas chovidas.
Arthur havia trabalhado com lixo. Porque todo lixo era vida vivida, e do lixo vinha tudo o que no mundo era ou tinha sido. Nada de intacto, merecia aparecer. O intacto tinha morrido sem nascer. A vida só latejava no que tinha cicatrizes ” (do livro Espelhos)

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