domingo, 14 de outubro de 2018

Fim de tarde no Porto das Dunas


Um fim de tarde, com o Rei Sol caindo de sono, sem querer entregar os pontos. E que segue em frente , a contra gosto, para ser engolido pela terra ,lá nos confins do mundo, acompanhado por um mar de carneirinhos vagando no céu.
É um momento propício para papear com o mago poeta Manoel de Barros , nascido em Cuiabá, Mato Grosso, em 19 de dezembro de 1916 ,e que empreendeu viagem para as nuvens do divino , em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, no dia 13 de novembro de 2014 , aos 97 anos:

"Eu tenho um ermo enorme dentro do olho. Por motivo do ermo não fui um menino peralta. Agora tenho saudade do que não fui. Acho que o que eu faço agora é o que não pude fazer na infância. Faço outro tipo de peraltagem. Quando era criança eu deveria pular muro do vizinho para catar goiaba. Mas não havia vizinho. Em vez de peraltagem eu fazia solidão. Brincava de fingir que pedra era lagarto. Que lata era navio. Que sabugo era um serzinho mal resolvido e igual a um filhote de gafanhoto.
Cresci brincando no chão entre formigas. De uma infância livre e sem comparamentos. Eu tinha mais comunhão com as coisas do que comparação. Porque se a gente fala a partir de ser criança, a gente faz comunhão: de um orvalho e sua aranha, de uma tarde e suas garças, de um pássaro e sua árvore.

Então eu trago das minhas raízes crianceiras a visão comungante e oblíqua das coisas. Eu sei dizer sem pudor que o escuro me ilumina. É um paradoxo que ajuda a poesia e que eu falo sem pudor. Eu tenho que essa visão oblíqua vem de eu ter sido criança em algum lugar perdido onde havia transfusão da natureza e comunhão com ela. Era o menino e os bichinhos. Era o menino e o sol. O menino e o rio.
 Era o menino e as árvores ".

Nenhum comentário:

Postar um comentário