UM SIMPLES OLHAR
SOBRE A VELHICE
“ O que há de interessante numa vela? Não é a cera nem o
pavio. É a chama. Quer a vela seja nova ou esteja se acabando, a chama é a
mesma, produz o mesmo calor e a mesma luz. Assim, também o que importa no ser
humano não é apenas o seu corpo, perecível e mortal, mas sua inteligência, seu
ser, o mesmo do nascimento à morte.
A capacidade, o desejo de viver, alteram-se
conforme a idade, mas não tem idade “.
Pierre Guillet.
Por favor, não tenha pressa, pois um dia ela se desnuda, sorrateira,
como uma maré, lentamente lambendo a areia da praia, ou de forma súbita na voz
de um petiz num semáforo: - “ Vá lá, vovô, descola aí um trocado para matar
minha fome “; ou, simplesmente uma mão salvadora sendo ofertada para ajudar na
travessia de uma movimentada avenida. O xeque mate fica por conta do indiscreto
espelho do banheiro desenhando rugas e cinzelando sulcos num surpreso rosto que
nunca se mostrou daquele jeito. Pura crueldade, triste verdade? Não. Se achegue
e ponha -se à mesa, companheira velhice!
Ademais aparecem os
velhos clichês de sempre: “ Um dos privilégios da velhice é ter, fora da
própria idade, todas as idades “; “ Envelhecer aborrece, mas é o único meio
para viver um longo tempo “; “ Todos querem viver muito tempo, mas ninguém quer
envelhecer “.
“ Envelheço, Senhor, e é penoso envelhecer!
Não posso mais correr, nem andar depressa.
Não posso mais carregar peso
E subir depressa a escada de casa ...
Minha memória fraqueja e, rebelde, oculta - me
Datas e nomes que, contudo conhece.
Cada dia mais, Senhor, vejo - me só,
Só com minhas lembranças e meus antigos dissabores
Que no meu coração sempre continuam vivos,
Enquanto as alegrias muitas vezes ficam esquecidas ...
Senhor, como acreditar que o tempo de hoje
Seja o mesmo de ontem que corria tão veloz,
Certos dias, certos meses, tão velozes
Que não conseguia alcançá - los, fugiam de mim
Antes que eu pudesse enchê -los de vida?
Hoje tenho tempo, Senhor. Tempo demais.
Tempo que se amontoa a meu lado, sem serventia.
Eu estou aí, imóvel, inútil.
Envelheço, Senhor, e é penoso envelhecer,
Tanto que alguns dos meus amigos te pedem amiúde
O fim desta vida que se torna, pensam, agora inútil.
- Estão enganados, meu pequeno – diz o Senhor.
- e tu também que não o dizes, mas, às vezes, os aprovas ...
Pois um coração que bate, embora muito desgastado,
Ainda dá vida ao corpo que o habita,
E o amor neste coração pode brotar,
Muitas vezes mais intenso e mais puro
Quando o coração cansado lhe deixa enfim lugar.
Vidas transbordantes podem estar vazias de amor,
Enquanto outras, parecendo banais, irradiam até o infinito.
Vê minha mãe, Maria, chorando
Parada ao pé de minha cruz.
Estava aí. De pé, sim,
Mas também impotente, tragicamente impotente.
Nada fazia, só estava aí.
Toda recolhida, toda acolhedora, e inteiramente ofertante,
E foi também comigo que salvou o mundo,
Dando-lhe todo o amor perdido pelos homens
Nas estradas do tempo...
Acredita em mim, tua vida hoje pode ser mais rica que ontem,
Se aceitares vigiar, sentinela imóvel na tarde que se finda.
E se sofres por não teres mais nada nas mãos para me dar,
Oferece-me tua impotência. E, juntos, digo-te :
Continuaremos salvando o mundo “
Michel Quoist
“ Virá o dia em que eu hei de ser um velho experiente /
olhando as coisas através de uma filosofia sensata /e lendo os clássicos com a
afeição que a minha mocidade não permite. /Nesse dia Deus talvez tenha entrado
definitivamente em meu espírito/ ou talvez tenha saído definitivamente dele/ Então
todos os meus atos serão encaminhados no sentido do túmulo/e todas as ideias
autobiográficas da mocidade terão desaparecido :/Ficará talvez somente a ideia
do testamento bem escrito ./ Serei um
velho , não terei mocidade , nem sexo ,
nem vida /Só terei uma experiência extraordinária./ Fecharei minha alma a todos
e a tudo /Passará por mim muito longe o
ruído da vida e do mundo /Só o ruído do coração doente me avisará de uns restos
de vida em mim./Nem o cigarro da mocidade restará .
/Será um cigarro forte que
satisfará os pulmões viciados / E que dará a tudo um ar saturado de
velhice./Não escreverei mais a lápis/ E só usarei pergaminhos compridos./ Terei
um casaco de alpaca que me fechará os olhos / Serei um corpo sem mocidade ,
inútil , vazio / Cheio de irritação para com a vida / Cheio de irritação para
comigo mesmo ./Um eterno velho que nada é, nada vale, nada vive/ O velho cujo
único valor é ser o cadáver de uma mocidade criadora . “
Vinicius de Moraes
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