GIOVANNI PAPINI , ANÁRQUICO E POLEMISTA
“ O maior problema do homem , como das nações , é a independência . Há solução ? . O que
possuo parece meu , mas sou sempre possuído pelo que tenho . A única propriedade
incontestável deveria ser o Eu - entretanto , procurando bem , onde está o resíduo absoluto ,
isolado , que não depende de ninguém ? .
Ausentes ou presentes , os outros participam de nossa vida interior e exterior . Não há
salvação . Mesmo na solidão perfeita sinto – me , com horror , átomo de uma montanha ,
célula de uma colônia , gota de um mar . No meu espírito e na minha carne trago a herança
dos mortos : meu pensamento é devedor a vivos e defuntos ; e mesmo contra a vontade ,
meu comportamento é guiado ´por seres que não conheço ou que desprezo .
Tudo o que sei , aprendi de outros . Tudo o que eu uso é obra alheia - que importa se o
paguei ? . Sem o operário , sem o artesão , sem o artista estaria mais nu do que Caliban ou
Robinson . Se quero me locomover preciso de máquinas que não fabriquei e que não dirijo .
Sou obrigado a falar uma língua que não inventei ; e os que vieram antes de mim me impõem
sem que eu o saiba , seus gostos , seus sentimentos , seus preconceitos .
Ao desmontar o Eu peça por peça encontro sempre pedaços e fragmentos que vêm de fora -
em cada um poderia colocar um rótulo de origem . Este é da minha mãe , este do meu
primeiro amigo , este de Emerson , este de Rousseau ou de Stirner . Se levo a fundo o
inventário das apropriações o Eu torna – se uma forma vazia , uma palavra sem conteúdo
Pertenço a uma classe , a um povo , a uma nação - não consigo , por mais que faça , evadir –
me dos confins que não tracei . Toda ideia é um eco ; todo ato um plágio . Posso afastar a
presença dos homens , mas grande parte deles continua vivendo , invisível , em minha solidão.
Se tenho empregados devo suporta – los e obedecer – lhes ; se tenho amigos , tolera – los e
servi – los ; e o dinheiro deve ser olhado , cultivado , protegido , defendido . As poucas
alegrias de que desfruto devo – as à inspiração e ao trabalho de homens que nunca vi .
Conheço o que recebi mas ignoro o que dei “ . Do livro Gog , p. 99e 100 . Ano 1931 .
Giovanni Papini , filósofo e escritor italiano , que nasceu em Florença em 9 de janeiro de 1881 .
Desde a mais tenra idade mostrou fascinação pelo inebriante mundo da leitura . Aos 12 anos
de idade escrevia contos e aos 14 anos criou duas revistas : Sapiência e A Revista .
Encontramos o inquieto Giovanni aos 19 anos lecionando italiano em um Instituto Inglês e
frequentando as Faculdades de Letras e Medicina .
Aos 20 anos ocupa a cátedra de filosofia moderna na Universidade de Florença . Lança em
1903 a revista Leonardo com conteúdo vário incluindo literatura , arte e ciência . Aos 24 anos
publica uma polêmica obra , O Crepúsculo dos Filósofos , onde ataca , especialmente ,
Nietzsche . Vive com Marinetti uma experiência futurista de curta duração .
Em 1931 publica “ Gog “ , que segundo suas palavras , foi um manuscrito que recebeu de um
tal Mr. Goggins , meio satânico e meio louco , morador de um hospício . Constitui – se de
contos sobre o universo humano de medos , pecados , mentiras , incertezas e loucura onde
Gog descobre a tragicidade do cotidiano . Junto com o autobiográfico “ Um Homem Acabado
“ representa o ponto alto da produção do inquieto Papini que morre cego , no dia 8 de julho
de 1956 , aos 75 anos de idade em sua cidade natal , Florença . Um inconformista adorável
que vale a pena ter como companhia no universo da leitura , ainda nos dias de hoje .
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