sexta-feira, 3 de julho de 2015

GIOVANNI PAPINI  , ANÁRQUICO E POLEMISTA

“   O maior problema do homem , como das nações , é a independência . Há solução ? . O que

possuo parece meu , mas sou sempre possuído pelo que tenho . A única propriedade

incontestável  deveria ser o Eu  -  entretanto , procurando bem , onde está o resíduo absoluto ,

isolado , que não depende de ninguém ? .

Ausentes ou  presentes , os outros participam de nossa vida interior e exterior . Não há

salvação  .  Mesmo na  solidão perfeita sinto – me , com horror , átomo de uma montanha ,

célula de uma colônia , gota de um mar . No meu espírito e na minha carne trago a herança

dos mortos  :  meu pensamento é devedor a vivos e defuntos ; e mesmo contra a vontade ,

meu comportamento é guiado ´por seres que não conheço ou que desprezo .

Tudo o que sei  , aprendi de outros  . Tudo o que eu uso é obra alheia  - que importa se o

paguei  ? . Sem o  operário , sem o artesão , sem o artista estaria mais nu  do que Caliban ou

Robinson .  Se quero me locomover preciso de máquinas que não fabriquei e que não  dirijo .

Sou obrigado a  falar uma língua que não inventei ; e os que vieram antes de mim me impõem

sem que eu o saiba , seus gostos , seus sentimentos , seus preconceitos .

Ao desmontar o Eu peça por peça encontro sempre pedaços e fragmentos que vêm de fora  -

em cada um poderia colocar um rótulo de origem . Este é da minha mãe  , este do meu

primeiro amigo , este de Emerson , este de Rousseau  ou de Stirner . Se levo a fundo o

inventário das   apropriações  o  Eu torna – se uma forma vazia , uma palavra sem conteúdo

Pertenço a uma  classe ,  a um povo , a uma nação  - não consigo , por mais que faça  , evadir –

me dos confins que não tracei . Toda  ideia é  um eco ; todo ato um plágio . Posso afastar  a

presença  dos homens , mas grande parte deles continua vivendo , invisível  , em minha solidão.

Se tenho empregados devo suporta – los e obedecer – lhes ;  se tenho amigos , tolera – los e

servi – los ; e o  dinheiro deve ser olhado , cultivado , protegido , defendido  . As poucas

alegrias de que desfruto devo – as à inspiração e ao trabalho de homens que nunca  vi .

Conheço o que recebi  mas ignoro o que dei “ .    Do livro Gog , p. 99e 100 . Ano 1931 .

Giovanni Papini , filósofo e escritor italiano , que nasceu em Florença em 9 de janeiro de 1881 .

Desde a mais tenra idade mostrou fascinação pelo inebriante  mundo da  leitura . Aos 12 anos

de idade escrevia contos e aos 14 anos criou duas revistas  : Sapiência e A Revista .

Encontramos o inquieto Giovanni  aos 19 anos lecionando italiano em um Instituto Inglês  e

frequentando as Faculdades de Letras e Medicina .

Aos 20 anos ocupa a cátedra de filosofia moderna na Universidade de  Florença . Lança em

1903 a revista Leonardo com conteúdo vário incluindo literatura  , arte e ciência .  Aos 24 anos 

publica uma polêmica obra , O Crepúsculo dos Filósofos , onde ataca , especialmente ,

Nietzsche . Vive com Marinetti uma  experiência futurista de curta duração .

Em 1931 publica “ Gog “ , que segundo suas palavras , foi um manuscrito que recebeu  de  um

tal Mr. Goggins , meio satânico e meio louco ,  morador de um hospício . Constitui   – se de

contos sobre o universo humano de medos  , pecados , mentiras , incertezas e loucura onde

Gog descobre  a tragicidade do cotidiano . Junto com o autobiográfico  “ Um Homem Acabado

“   representa o ponto alto da produção do inquieto  Papini  que morre cego , no dia 8 de julho

de 1956 ,  aos 75 anos de idade em sua cidade natal ,  Florença . Um inconformista adorável

que vale a pena  ter como companhia no universo da leitura , ainda nos dias de hoje .

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