BELCHIOR , UM RAPAZ LATINO-AMERICANO VINDO DO INTERIOR
Para a Turma de 73 da FMUFC
Uma rua secundária , pacata , que imita a vida humana terminando de modo súbito , acolhe uma aconchegante praça , bem arborizada , ali pras bandas do bairro Dionísio Torres , na loira desposada do sol e amante de eternos boêmios. Não haveria de faltar naquele logradouro , um quiosque onde rola um som mecânico da tradicional Música Popular Brasileira , pela noite adentro .Um certo rapaz latino-americano , sem dinheiro no banco e vindo da cidade de Sobral , no interior do Ceará , enche com sua voz rascante , belos poemas musicados para o regozijo de notívagos que ali tomam acento .
Antônio Carlos Belchior Fontenele Fernandes nasceu no município de Sobral , no Ceará, no dia 28 de outubro de 1946 .Teve infância tranquila em sua cidade natal e migrou , como muitos , para a capital do estado , Fortaleza , em 1962 . Estudou Filosofia e Humanidades e em 1968 iniciou o curso de medicina na Universidade Federal do Ceará . Sua redação na prova de português para o acesso à universidade sobre o poema “ Telha de Vidro “ da cearense Rachel de Queiroz , obteve nota máxima . Em 1971 segue para o sul do país onde tece uma rica carreira artística , deixando para trás seus estudos médicos . A partir de então lançou 22 discos , quase que um trabalho por ano , com letras de músicas bem elaboradas e com temática envolvendo a inquietação da juventude , a saudade de sua terra natal e sobre o cotidiano , como “ à palo seco “ , que se abate no lombo “ do pacato cidadão comum “ .
“ Era um cidadão comum como esses que se vê na rua / falava de negócios , ria , via show de mulher nua / vivia o dia e não o sol , a noite e não a lua / acordava sempre cedo ( era um passarinho urbano ) / embarcava no metrô , o nosso metropolitano / era um homem de bons modos : “ com licença ; foi engano “ / era feito aquela gente honesta , boa e comovida / que tem no fim da tarde a sensação da missão cumprida / acreditava em Deus e em outras coisas invisíveis / dizia sempre sim aos senhores infalíveis / pois é ; tendo dinheiro não há coisas impossíveis / mas o anjo do Senhor ( de quem nos fala o Livro Santo ) / desceu do céu pra uma cerveja , junto dele , no seu canto / e a morte o carregou , feito um pacote , no seu manto / - que a terra lhe seja leve - “ .
E segue a saudade plantando sementes no coração selvagem de Belchior , mesmo no período discricionário então vigente ( 1964 – 1985 ) , sendo o poeta sobralense , capaz de matar ou morrer , armado com seu tição de rimas .
“ Quando eu não tinha o olhar lacrimoso / que hoje eu trago e tenho / quando adoçava meu pranto e meu sono / no bagaço de cana do engenho / quando eu ganhava este mundo de meu Deus / fazendo eu mesmo o meu caminho / por entre as fileiras do milho verde / que ondeia , com saudade do verde marinho / eu era alegre como um rio / um bicho , um bando de pardais / como um galo quando havia / quando havia galos , noites e quintais / mas veio o tempo negro e , a força fez comigo o mal que a força sempre faz / não sou feliz , mas não sou mudo / hoje eu canto muito mais “ .
E assim Belchior, agora um senhor beirando a casa dos setenta anos , permanece atual , com seu trato maneiro , em linguagem poética , jogando rimas em temas ligados a infância ( Hora do Almoço ) , juventude ( Como Nossos Pais ) , a angústia da cidade grande ( Alucinação ) e filosofia ( Divina Comédia Humana ) . Uma formação humanística bem plasmada permitiu a Antônio Carlos Belchior pousar em várias áreas , sempre com versos de uma pungente beleza .
“ Estava mais angustiado que um goleiro na hora do gol /quando você entrou em mim, como um sol no quintal / aí um analista amigo meu disse que desse jeito / não vou ser feliz direito / porque o amor é uma coisa mais profunda que um encontro casual / aí um analista amigo meu disse que desse jeito / não vou viver satisfeito /porque o amor é uma coisa mais profunda que uma transa sensual / deixando a profundidade de lado / ah ! eu quero é ficar colado à pele dela noite e dia / fazendo tudo e de novo dizendo : sim à paixão morando na filosofia / quero gozar no seu céu , mas pode ser no seu inferno / viver a divina comédia humana onde nada é eterno/ ora - direis : ouvir estrelas , certo ! perdeste o senso / e eu vos direi no entanto / enquanto houver espaço , corpo , tempo e algum modo de dizer não , eu canto “ .
Caro Belchior, a patota de boêmios que curte uma caninha com torresmo aqui na praça Rogério Fróes , em Fortaleza , e a Turma de Medicina da UFC ( 1973 ) , que , também é a sua , faz chegar até você , aí no aconchego do seu próprio universo , que seguiremos ouvindo estrelas , banhados em prata pela lua que vigia nossos trôpegos passos , e levando em frente nossa divina comédia humana onde nada é eterno . Agradecemos , sua agradável companhia diária e de resto , só muita saudade .
Nenhum comentário:
Postar um comentário