quinta-feira, 23 de julho de 2015


BELCHIOR  ,  UM RAPAZ LATINO-AMERICANO VINDO DO INTERIOR
Para a Turma de 73 da FMUFC

Uma rua secundária  , pacata ,  que imita a vida humana  terminando  de modo súbito  , acolhe uma aconchegante praça ,  bem arborizada , ali  pras bandas do bairro Dionísio Torres , na loira desposada do sol e amante de eternos boêmios. Não haveria de faltar naquele logradouro  ,  um quiosque onde  rola  um som mecânico da tradicional Música Popular  Brasileira , pela noite adentro  .Um certo rapaz  latino-americano , sem dinheiro no banco e vindo da cidade de Sobral ,  no interior do Ceará , enche com sua voz rascante ,  belos poemas musicados para o regozijo  de  notívagos  que ali tomam acento  .
Antônio Carlos Belchior Fontenele Fernandes nasceu no município de  Sobral , no Ceará, no dia 28 de outubro de 1946 .Teve infância tranquila em sua cidade natal e migrou , como muitos , para a capital do estado , Fortaleza , em 1962 . Estudou Filosofia e Humanidades e em 1968 iniciou o curso de medicina na Universidade Federal do Ceará  .  Sua redação na prova de português para o acesso à universidade sobre o poema “ Telha de Vidro “ da cearense Rachel de Queiroz  , obteve nota máxima .  Em 1971 segue para o sul do país onde tece uma rica carreira  artística , deixando para trás  seus estudos médicos . A partir de então lançou 22  discos ,  quase que um trabalho  por ano ,  com letras de músicas bem elaboradas e com temática envolvendo a inquietação da juventude , a saudade de sua terra natal e sobre o cotidiano , como “ à  palo seco  “  ,  que  se abate no lombo “ do pacato cidadão comum “ .
“ Era um cidadão comum como esses que se vê na rua / falava de negócios , ria , via show de mulher nua / vivia o dia e não o sol , a noite e não a lua / acordava sempre cedo ( era um passarinho urbano ) / embarcava no metrô , o nosso metropolitano / era um homem de bons modos : “ com licença ; foi engano “ / era feito aquela gente honesta , boa e comovida / que tem no fim da tarde a sensação da missão cumprida / acreditava em Deus e em outras coisas invisíveis / dizia sempre sim aos senhores infalíveis / pois é ; tendo dinheiro não há coisas impossíveis / mas o anjo do Senhor ( de quem nos fala o Livro Santo ) / desceu do céu pra uma cerveja , junto dele , no seu canto / e a morte o carregou , feito um pacote , no seu manto /  - que a terra lhe seja leve -  “ .
E segue a saudade plantando sementes no coração selvagem de Belchior   , mesmo no período discricionário então vigente ( 1964 – 1985 )  , sendo  o poeta sobralense  ,  capaz de matar ou morrer , armado com seu tição de rimas  .

“ Quando eu não tinha o olhar lacrimoso / que hoje eu trago e tenho / quando adoçava meu pranto e meu sono / no bagaço de cana do engenho / quando eu ganhava este mundo de meu Deus / fazendo eu mesmo o meu caminho / por entre as fileiras do milho verde / que  ondeia , com saudade do verde marinho / eu era alegre como um rio / um bicho , um bando de pardais / como um galo quando havia / quando havia galos , noites e quintais / mas veio o tempo negro  e , a força fez comigo o mal que a força sempre faz / não sou feliz , mas não sou mudo / hoje eu canto muito mais “ .

E assim Belchior, agora um senhor beirando a casa dos setenta anos  , permanece  atual , com seu trato maneiro ,  em  linguagem poética , jogando rimas em  temas ligados a infância ( Hora do Almoço ) , juventude ( Como Nossos Pais ) , a angústia da cidade grande ( Alucinação ) e filosofia ( Divina Comédia Humana ) . Uma formação humanística bem plasmada  permitiu a Antônio Carlos Belchior pousar  em várias áreas ,  sempre com  versos de uma  pungente  beleza .


“ Estava mais angustiado que um goleiro na hora do gol /quando você entrou em mim, como um sol no quintal / aí um analista amigo meu  disse que desse jeito / não vou ser feliz direito / porque o amor é uma coisa mais profunda que um encontro casual / aí um analista amigo meu disse que desse jeito / não vou viver satisfeito /porque o amor é uma coisa mais profunda que uma transa sensual / deixando a profundidade de lado / ah ! eu quero é ficar colado à pele dela noite e dia / fazendo tudo e de novo dizendo :  sim à paixão  morando na filosofia / quero gozar no seu céu , mas pode ser no seu inferno / viver a divina comédia humana onde nada é eterno/ ora - direis :  ouvir estrelas , certo !  perdeste o senso / e eu vos direi no entanto / enquanto houver espaço , corpo , tempo e algum modo de dizer não , eu canto “ .
  Caro Belchior, a patota de boêmios que curte uma caninha com torresmo aqui na  praça  Rogério Fróes  , em Fortaleza , e a Turma de Medicina  da UFC ( 1973 )  , que , também é a sua , faz chegar até você  , aí  no aconchego do seu próprio  universo , que seguiremos ouvindo estrelas  , banhados em prata pela lua que vigia nossos trôpegos  passos  , e  levando em frente  nossa  divina comédia humana onde nada é eterno  .  Agradecemos  , sua agradável companhia diária  e de resto , só muita saudade .

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