Ó ABRE ALAS PARA
CHIQUINHA GONZAGA
Na última metade do século XIX , o
Brasil se abria a mudanças político- econômicas substanciais necessárias a fundação de um grande país .
Chiquinha Gonzaga tinha consciência plena de viver numa sociedade recém- saída
da mancha negra da escravidão e com rígidos padrões morais para as
mulheres , consideradas objetos de cama
e mesa dos seus patrões , o macho dominador . Era a vigência do milenar patriarcado em seus estertores . Chiquinha , feminista de primeira fornada , virou aquele
mundo de ponta- cabeça servindo de molde a figuras que apareceriam ao longo do tempo como Leila Diniz , Elis Regina , Maysa Matarazzo , Patrícia Galvão ( Pagu ) , Olga Benário ,Adalgisa
Neri , Ana Montenegro , Lota de Macedo Soares , Rose Marie Muraro e tantas outras . O mundo absolutista dos machos nunca mais teve sossego , para o sossego da humanidade ! .
Francisca Edwiges Neves Gonzaga ( 1847 – 1935 ) , pianista ,
compositora , maestrina , abolicionista e republicana , nasceu na cidade do Rio de Janeiro , no dia
17 de outubro de 1847 . Seu pai , José
Basileu Neves Gonzaga , militar do Exército
Brasileiro , era parente de Luis Alves de Lima e Silva , o futuro Duque
de Caxias . Sua mãe , Rosa Maria Lima , filha de escravos e pobre foi rejeitada pela família do militar
. Assim , Francisca Edwiges nasceu bastarda , longe do pai que se
encontrava trabalhando em Pernambuco .
De retorno ao Rio de Janeiro em 1848 ,
José Basileu conheceu a filha e assumiu enfim a paternidade . Posteriormente deu de presente mais três rebentos para Rosa Maria .
A garota Francisca Edwiges teve um primor de educação , de igual forma a uma integrante da corte portuguesa , com incursões em idiomas vários , artes e música . Para isso existiam o Cônego Trindade e o
maestro Lobo que atapetavam o gracioso caminho de Francisca rumo a glória . Aos 11 anos de idade a garota
precoce apresentou uma peça ao piano ,
de sua autoria , uma loa ao Menino Jesus . Aos 16 anos casou- se com Jacinto Ribeiro
do Amaral , Militar da Marinha , um belo
jovem de 24 anos . Agora , presumia – se ,erroneamente , que seriam dois senhores ( o pai e o marido ) para dominarem a inquieta dama . Corria o ano de 1863 . No
ano seguinte nasceu João Gualberto que representaria uma agradável companhia e um porto seguro
para Francisca para toda a vida .
Em 1865 apareceu um segundo rebento , Maria do Patrocínio . Neste
mesmo ano estourou a desigual e infame Guerra do Paraguai , palco de uma carnificina
brutal . Chiquinha Gonzaga teve que
acompanhar o marido num navio de guerra até a foz do rio Paraguai . Sem o insubstituível companheiro piano , ela conseguiu como prêmio de
consolação um nada aristocrático violão para acalentar seus dias naquele ambiente
avaro . O cônjuge Jacinto colocou a companheira contra as cordas
do ringue : “ -
Ou a música ou o casamento “ .
Resposta curta e fatal de Francisca : - “ Senhor meu marido , eu não entendo a
vida sem harmonia “ . Deixa claro a percepção de harmonia conjugal e na
música . Na ocasião
, grávida de mais um filho , Hilário , a inquieta Chiquinha foi
condenada pela família e declarada morta “ ad
aeternum “ . Partiu a jovem alma penada para uma vida dura mas independente , rompendo os grilhões que a
prenderiam , se ficasse , pelo resto de seus dias, levando consigo o filho mais velho , João Gualberto . Cometera ela uma grave transgressão social para uma época
machista e impiedosa .
Como uma flor amorosa , Chiquinha
foi acolhida no circuito da boemia no Rio de Janeiro por Joaquim Antônio
da Silva Callado , um flautista
professor do Imperial Conservatório de Música .
Em 1869 a polca “ Querida por
todos “ lhe foi ofertada pelo prestimoso Callado .
O coração alado de Chiquinha ,
contudo , já estava nas mãos do jovem
engenheiro João Batista de Carvalho Jr . Passaram a viver juntos e tiveram uma filha , Alice Maria em 1876 . O
caso toma um rumo torto por conta de infidelidade do parceiro , fogueteiro e chegado a um rabo de saia . Uma
vez mais Chiquinha parte acompanhada apenas do filho João Gualberto para as
peripécias do mundo . Ministra aulas de
piano , português , francês , matemática
, geografia e teatro para sua sustentação básica pois apenas a boemia não enche
a barriga de ninguém .
Aos 29 anos a compositora Chiquinha abre alas com o seu
primeiro sucesso a polca “ Atraente“ e a seguir puxa outros sucessos como
Desalento , Não insistas , Rapariga ! e Sedutor , tudo isso no ano de 1877 .
Já no século XX , na década de 70 o compositor Hermínio
Bello de Carvalho põe letra na polca “
Atraente “ de Chiquinha Gonzaga . Se viva estivesse a autora aprovaria a letra
coquete :
“ Rebola bola e atraente , vai / esmigalhando os corações
com o pé / e no seu passo apressadinho /tão miúdo , atrevidinho /vai sujando o
meu caminho / desfolhando o mau – me -
quer / se bem me quer seja se quer ou
não / bem reticente , ela só faz calar / ela é tão falsa e renitente , que até
atrai só o seu pensar / como é danada , perigosa , vaidosa / desastrosa ,
escandalosa e decorosa / rancorosa ,
incestuosa e tão nervosa / e bota tudo em polvorosa / quando chega belicosa /
bota tudo pra perder / amour , amour / tu jour amour , trè bien / mas joga fora esta conversa vã /não vem jogar
fla- flu no meu Maracanã/ não sou Juju balangandã / meu coração porém , diz que
não vai / suportar esta maldita inenarrável solidão /se assim for , ela vai ter que esbodegar / e te ver
despinguelar numa desilusão “ .
João Batista Fernandes Laje , um jovem mancebo português de
16 anos , amante de música e Chiquinha Gonzaga com 52 anos iniciaram um
puro romance livresco que durou até o
findar dos dias da querida maestrina aos 87anos de idade . Uma bela mulher , sensível , um fruto sazonado , despida de
falsos pudores e que derrubou com
picareta , falsos mitos acerca do tema amor x idade . O tempo é feitura dos deuses ; a medida do tempo sim é coisa do
bicho – homem .
“ Formar uma paixão
de duas paixões . Fundir em um direito dois direitos . Forjar um leito nobre de
dois leitos e atar a uma ambição duas ambições . Juntar em um sonhar duas
ilusões . Somar em um só amor dois corações . Juntar em um laço duas divisas e
duas miradas fundir em um só olhar . Dois prantos enlaçar em uma só lágrima .
Duas canções prender em um só canto. Isto representa unir- se verdadeiramente
em amor sem as rocas do tempo e o demais
é nada ! “ . Parabéns , Chiquinha
e Joãozinho , heróis agem assim .
Antes de se despedir desta vida , além de inundar o mundo de amor , Chiquinha
Gonzaga recheou a terra com centenas de
canções , levou ao Palácio do Governo a Música Popular Brasileira , lutou pela
Abolição dos Escravos , pela Proclamação da República e fundou a Sociedade Brasileira de
Autores Teatrais . Sempre será exaltada
pela autoria da primeira marcha carnavalesca “ O´Abre Alas “ de 1899 :
“ Ó abre alas / que eu quero passar / ó abre alas / que eu
quero passar / eu sou da lira / não posso negar / eu sou da lira / não posso negar /
Rosa de Ouro / é quem vai ganhar ” .
No dia 28 de fevereiro de
1935 , no Rio de Janeiro na
véspera de um carnaval , Chiquinha
Gonzaga alçou voo rumo as estrelas , abrindo alas para uma eternidade gozosa ,
livre e sem preconceitos .
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