GRANDE OTELO : OURO E PRATA
Sebastião Bernardo Silva ( Grande Otelo ) , chegou ao mundo em Uberlândia ( Minas Gerais ) no dia 18 de outubro de 1917 . Cantor , compositor , comediante , ator e poeta .Um verdadeiro artista multimídia . Filho de Maria Abadia de Souza , alcoolista , e de Francisco Bernardo Costa , que teve um fim trágico - assassinado - . Bastiãozinho , como era chamado o petiz , viveu desde cedo nas escolas da vida perambulando por logradouros de adultos onde assimilou a arte de se virar e de não se perder na vastidão do mundo . Fez sucesso vestindo uma indumentária feminina , com um travesseiro nas nádegas , em dupla com um palhaço de circo . Isto aos 6 anos de idade e para espanto de todos cantando e declamando em outros idiomas .
Em passagem por Uberlândia , a Companhia de Comédias e Variedades Sarah Bernhardt leva Bastiãozinho para São Paulo . Por essa época , recebeu o apelido de Otelo , de um maestro italiano Filipo Alesso que previa um futuro de tenor para o garoto sapeca e em alusão à peça “ Otelo “ de Giuseppe Verdi . Engano do maestro , segundo as palavras do próprio agora Otelo : “ – Mas não deu certo , nem cresci , pois parei em hum metro e meio e nem cantei ópera “ .
Em 1926 , aos 10 anos de idade estreia em São Paulo e percorre em turnê várias cidades com peças apropriadas ao seu tipo : “ Tudo Preto “ ; “ Preto no branco “ ; “ Carvão Nacional “ . Ninguém na oportunidade autuou ninguém em crimes como trabalho infantil nem como preconceito racial . No ano seguinte Otelo deixa a Companhia de Comédias e pula para a clandestinidade das ruas com todos os seus perigos até ser internado num Abrigo de Menores . Dali é resgatado pela família do advogado Antônio de Queiroz , que reconduz o garoto nas veredas da vida ordeira , abrindo possibilidades de um futuro promissor do garoto . Em 1933 por iniciativa própria , Otelo corta o cordão umbilical com a família Queiroz assumindo por completo sua missão de artista de palco. Firma contrato profissional com a Companhia de Revistas de Jardel Jércolis , onde passa a ser conhecido como “ Grande Otelo “ .
Em 1936 Grande Otelo faz sucesso com a peça “ Maravilhosa “ e chama a atenção de todos interpretando “ No Tabuleiro da Baiana” com a mulata Déo Maia .
Em 1939 Grande Otelo , aos 22 anos , contracena com a famosa cantora e dançarina Josephine Baker ( 1906 – 1975 ) denominada de Vênus Negra , num dos mais importantes marcos de sua gloriosa carreira . Em 1942 , Grande Otelo em parceria com Herivelto Martins ( 1912 – 1992 ) lança um retumbante sucesso , o samba carnavalesco “ Praça Onze “ , numa curta carreira de compositor :
“ Vão acabar com a Praça Onze / não vai haver mais Escola de Samba , não vai / chora o tamborim / chora o morro inteiro / Favela , Salgueiro / Mangueira , Estação Primeira / guardai os vossos pandeiros , guardai / porque a Escola de Samba não sai / adeus , minha Praça Onze , adeus / já sabemos que vais desaparecer / leva contigo a nossa recordação / mas ficarás eternamente em nosso coração /e algum dia nova praça nós teremos / e o teu passado cantaremos “ .
Nas décadas de 40 e 50 encontramos Grande Otelo participando ativamente de Chanchadas que reuniam comédias e números musicais , fazendo uma imortal dupla com o comediante Oscarito ( 1906 – 1970 ) . Depois trabalhou com outro astro do cinema de nome Ankito ( 1924 – 2009 ) . Destaques no cinema para : Aviso aos Navegantes ( 1950 ) ; Canção Atlântida ( 1952 ) ; Dupla do Barulho ( 1953 ) e Matar ou Correr ( 1954 ) . Este último uma paródia para o clássico do faroeste Matar ou Morrer , de Fred Zinnemann estrelado por Gary Cooper como xerife .
Uma tragédia passional se interpõe na vida de Grande Otelo em 1949 . Sua esposa Lúcia Maria comete suicídio e leva consigo , seu filho menor de 6 anos conhecido como Chuvisco . Um golpe duro para a sensível alma do artista que se afoga de vez em homéricas bebedeiras . O escritor paraibano José Lins do Rego ( 1901 – 1957 ) através do jornal “ O Globo “ escreve sobre o nefasto ocorrido : “ ....Tratava-se do nosso Otelo , o artista fruto de nosso teatro de revista , o negro das caretas e dos gestos grotescos , o cantor da Praça Onze , o pobre rapaz arrebatado pelo choque de uma tragédia . Vi a cara que é uma fonte de riso transformada numa cara de sofrimento , de amargura , de desespero . E li o noticiário impiedoso e quase chorei . Uma repulsa geral pelos homens atiçou- me na alma a vergonha de ser de uma sociedade de sádicos e de doentes de espírito . Caro Otelo , estou contigo . Mal te conheço , no entanto , conheço o bastante para te mandar um abraço de homem , que te sabe vítima do destino sem entranhas . Ontem à noite , à força de um contrato te levou ao palco para fazer os outros rirem . E dizem que não suportaste a dor . E sua máscara se rasgou em público . E o público que queria gozar o cômico arrasado pela dor , muito terá sofrido , apesar do sadismo monstruoso . O pranto de Otelo abafou a sala , encheu o teatro , rompeu a rua , correu para o apartamento vazio , onde o seu Chuvisco , coitado , era uma sombra de menino morto “ .
Grande Otelo fez sucesso ainda com os filmes Rio Zona Norte ( 1957 ) ; Assalto ao trem pagador ( 1962 ) ; e o marcante Macunaíma ( 1969 ) dirigido por Joaquim Pedro de Andrade . Sua carreira marcada por altos e baixos devia- se em parte ao estilo de vida boêmio e livre de compromissos escolhidos pelo artista , que , contudo representa um dos mais completos artistas do país . Mário Prata , jornalista e escritor mineiro , conta que certa feita teve um encontro com Grande Otelo num bar em Copacabana . Otelo já meio tomado pelo álcool chorando sobe no colo de Mário dizendo – se seu primo . O pai de Otelo fora escravo de seu avô em Minas . Um dia Mário convidou Otelo para trabalhar numa telenovela na TV Manchete . A resposta foi a seguinte : “ Primo ,eu sou contratado da Globo e não faço nada por lá . Você quer me levar pra Manchete pra ganhar menos e , provavelmente, não receber e ainda por cima ter que trabalhar ? . Não , primo , isso não vai dar certo ! “ .
Grande Otelo morreu de um enfarte do miocárdio em 26 de novembro1993 numa viagem a Paris , onde receberia uma homenagem num Festival em Nantes .
O cantor Benito de Paula compôs uma música como uma singela homenagem a Grande Otelo :
“ Tens o dom de ser/ risos e perdão / tens no palco a vida teu coração / Grande Otelo é festa / eu quero aplaudir / sempre chora e ri / quase ao mesmo tempo / o cinema livre / é seu pensamento / Grande Otelo é festa / eu quero aplaudir / és o meu herói / és meu rei menino / és Macunaíma /és um peregrino / um gigante em cena /eu quero aplaudir “ .
Nenhum comentário:
Postar um comentário