Eia ! Sus ! Sus ! Um Conto
Ouviram do Ipiranga o grito ou o brado retumbante - e aí os patriotas , com vísceras verde - amarelas , rasgaram seus intestinos cheios de hino e hienas que bradavam, rangendo os dentes : libertas quae sera tamen.
Foi quando o almirante português saiu da rota e de uma nota de mil cruzeiros e achou a ilha que não era ilha , o rio que não era rio e a coisa que não era coisa . Então o homem em cima do cavalo tirou o laço azul e branco que simbolizava o lusitano jugo e gritou para as margens do Ipiranga e para os raios fúlgidos :
- Evoé ! Evoé ! Marechal e generais , Evoé !
Por tudo isso , filhos , já podeis ver ( contentes ) a mãe gentil - o que seria dos Poetas do Brasil se não rimasse com gentil , covil , refil , anil e fuzil . Que aproveitem os bardos !
E bardo esperto foi aquele que partindo de Santarém, em março de não sei qual ano , perdeu a bússola e as índias rotas e foi parar na garrida terra , florão da América , seja símbolo o lábaro .
E ostentou estrelado o grito que o povo heroico retumbante e o sol da liberdade em raios fúlgidos ouviu pasmo :
- Independência ou Morte ?
Deveria ter dito : Independência e Morte . Ninguém morreu , mas ninguém ficou independente , exceto o regente Feijó, o frei Caneca e o holandês Maurício de Nassau . Até que o homem de costeletas disse que ficava .
- Fico !
O fico , ficou e a agricultura foi fomentada , a lavoura salva e a saúva não acabou com o Brasil nem o Brasil com a saúva : fizeram um protocolo de coexistência pacífica, segundo os moldes preconizados pela Mater et Magistra , a juros de oito por cento ao ano ...
Mas quem chegou foi o general que morreu ao amanhecer . E então o auriverde pendão pendeu e tremulou às brisas que o Brasil beija e balança mas não cai , cair quem a de ?
- Sim , a Pátria - disse o general , embargado . Estremecida de tanto tremer , viu seus filhos largarem as vísceras auriverdes pelos caminhos cobertos de pó . E seus hinos , devorados por hienas , soltaram o brado retumbante do Ipiranga , que ouviram .
Ouvimos todos . Era ao cair da tarde de 7 de setembro de 1822 . Vinte e dois elefantes chateiam muito mais .
Conto Eia ! Sus ! Sus !
Autoria de Carlos Heitor Cony ( 1926 - 2018 ) , jornalista e escritor brasileiro , que pertenceu à Academia Brasileira de Letras e deixou dezessete romances , contos , crônicas e ensaios biográficos .
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