Foi ! Não Foi !
" Choveu a noite quase toda . Chuvinha calma . Sem trovoada , como cantigas de ninar . Todo envolvido em macios lençóis, o sono desceu sobre mim como uma pluma . Adormeci como uma criança e sonhei como um anjo .
Acordo pela madrugada , sob o embalo de uma música diferente . É a saparia que grita estabanadamente num charco em frente de minha casa . Parece até uma batucada africana :
- Foi ! Não foi !
Uma teima que não termina mais . Uma arenga parlamentar ou um duelo em júri, onde uns acusam e outros negam .
- Foi ! Não Foi !
Aquele coaxar encheu logo minha cabeça e dei a pensar que este país não passa afinal de um imenso pantanal , onde setenta e cinco milhões de sapos coaxam noite e dia a mesma sinfonia :
- Foi ! Não Foi !
Noite e dia ! Ano após ano ! Uma gritaria infernal . Mudamos de Monarquia para República . Nada melhorou . Mudamos de República Velha para a Nova . Desta vez para a Ditadura . Sempre piorando . Depois voltamos à Democracia . Passamos pelo Parlamentarismo . Chegamos ao Presidencialismo, e por fim à Revolução . Mudamos de governo . De regime . De planos econômicos. De programas políticos. E nada !
Continua a mesma gritaria de sapos na lagoa . Sempre acreditamos salvar o Brasil com discursos . Com passeatas . Com rufar de tambores . Com o patati - patatá das botas no calçamento da cidade , nos dias de marcha cívica .
Zoada , apenas . Coaxar de sapos .
Hoje continuamos ainda a prometer ao povo porque ele não pode viver no inferno sem as esperanças no céu , não pode suportar o deserto sem as promessas de Canaã . Não pode viver sem o ópio e a embriaguez do espírito . As promessas de hoje têm a função de sufocar os desesperos , de anestesiar a consciência popular para que se suporte o doloroso impacto da fome , da doença , da miséria . Quando o doente não tem mais esperanças de salvamento e já não suporta as dores , os médicos lhe aplicam doses de morfina para tornar menos penosa a morte .
As promessas do Governo não passam de doses de morfina num povo que precisa morrer pelo menos aliviado ."
Em 2023 , Pindorama continua a zoada , apenas , e o coaxar de sapos políticos , sapos de coturnos e sapos de togas .
E nada muda , nada mesmo !
Excertos da crônica " Foi ! Não Foi ! " integrante do livro " Sertão Brabo " , ano de 1968 , da autoria do Padre Antônio Batista Vieira ( 1919 - 2003 ) . Nascido em Várzea Alegre - Ceará . Sacerdote , Escritor , Jornalista e Político .
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