segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019


"No dia brancamente nublado entristeço quase a medo
E ponho - me a meditar nos problemas que finjo ...
Se o homem fosse , como deveria ser,
Não um animal doente , mas o mais perfeito dos animais,
Animal direto e não indireto,
Devia ser outra a sua forma de encontrar um sentido às coisas,
Outra e verdadeira.
Devia haver adquirido um sentido do conjunto;
Um sentido, como ver e ouvir , do total das coisas
E não, como temos, uma ideia do total das coisas.
E assim - veríamos - não teríamos noção de conjunto ou de total.
Porque o sentido de total ou de conjunto não seria de um total ou de um conjunto
Mas da verdadeira Natureza talvez nem todo nem partes.
O único mistério do Universo é o mais e não o menos.
Percebemos demais as coisas - eis o erro e a dúvida.
O que existe transcende para baixo o que julgamos que existe.
A Realidade é apenas real e não pensada.
O Universo não é uma ideia minha.
A minha ideia do Universo é que é uma ideia minha.
A noite não anoitece pelos meus olhos.
A minha ideia da noite é que anoitece por meus olhos.
Fora de eu pensar e de haver quaisquer pensamentos
A noite anoitece concretamente
E o fulgor das estrelas existe como se tivesse peso.
Assim como falham as palavras quando queremos exprimir qualquer pensamento,
Assim falham os pensamentos quando queremos pensar qualquer realidade.
Mas , como a essência do pensamento não é ser dita, mas ser pensada ,
Assim é a essência da realidade o existir , não o ser pensada.
Assim tudo o que existe, simplesmente existe.
O resto é uma espécie de sono que temos.
Uma velhice que nos acompanha desde a infância da doença.
O espelho reflete certo; não erra porque não pensa.
Pensar é essencialmente errar.
Errar é essencialmente estar cego e surdo.
Essas verdades não são perfeitas porque são ditas,
E antes de ditas, pensadas:
Mas no fundo o que está certo é elas negarem - se a si próprias
Na negação oposta de afirmarem qualquer coisa.
A única afirmação é ser.
E ser o oposto é o que não queria de mim..."
Poema da autoria de Alberto Caeiro ( Fernando Pessoa) : 1888 - 1935.
Foto que ilustra o texto : Rio Pacoti encontrando o Atlântico Oceano no Porto das Dunas.

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