LEONARDO MOTA: MISSIONÁRIO DA LIRA PLEBÉIA
“ Era ele mesmo o sertão. Um toro de aroeira, ardendo ao sol do Ceará, povoado de violeiros e sonoro de estridência desafiante das pelejas cantadeiras. Baixo , grosso, impetuoso, a máscara risonha, irradiante de simpatia , irresistível de comunicabilidade, espalhando a musicalidade das recordações na técnica infalível do anedotário incomparável .Ouvi-lo era ver o sertão inteiro, tradicional e eterno , paisagem horizontal dos tabuleiros , candelabros de mandacarus, vulto imóvel das serras misteriosas , ondulação verde do panasco na babugem das primeiras águas ; vozes , cantos, benditos , aboios , feiras , cangaceiros, cantadores , assombrações, chefes políticos, analfabetos imortais , populares , soldados, comboieiros, luares, entardecer ... “ , assim falava o folclorista Luis da Câmara Cascudo acerca de Leonardo Mota .
Leonardo Ferreira da Mota Filho (1891- 1948) veio ao mundo no município de Pedra Branca no interior do Ceará. Seus pais foram Leonardo Ferreira da Mota e Maria Cristina da Silva Mota. Recebeu as primeiras letras na sua cidade natal e em Quixadá. Prosseguiu seus estudos em Fortaleza no tradicional Colégio Liceu do Ceará, no Seminário da Prainha e no Colégio São José , no Mosteiro de São Bento na Serra do Estevão . Bacharelou- se em 1916 na Faculdade de Direito do Rio de Janeiro. Foi Notário Público por um breve período e seguiu sua sina nômade nos braços das Letras, da boemia, da Fé, tornando- se um ícone do folclore brasileiro, mestre na pesquisa e divulgação da cultura popular. Pertenceu ao Instituto do Ceará , a Academia Cearense de Letras e faleceu no dia 2 de janeiro de 1948, aos 57 anos, em sua residência em Fortaleza.
Publicou: Cantadores (1921); Violeiros do Norte (1925); Sertão Alegre (1928); No Tempo de Lampião (1930); Prosa Vadia (1932) ;Padaria Espiritual (1938 ) ; e Adagiário Brasileiro , uma obra póstuma lançada em 1982 por seus filhos Orlando Mota e Moacir Mota .
“ A Casa de Minha Mãe “ de Murilo Mota publicado em 1991 pela Imprensa Universitária da Universidade Federal do Ceará constitui uma amorosa homenagem por ocasião do centenário do nascimento de Leonardo Mota.
Gordo, com uma centena de quilos, Leonardo aumentou nas carnes e diminuiu no nome, como se vê: Leonardo Ferreira da Mota Filho; Leonardo Ferreira da Mota; Leonardo Mota Filho; Leonardo Mota; Leon. Mota; Leotta e, finalmente, Leota, era segundo suas próprias palavras “ O último boêmio do Ceará “.
Leonardo Mota exerceu com humor e picardia uma prosa cheia de repentes como mostra o episódio com o magistral Quintino Cunha. Leota havia recebido uma promessa de participação do aludido poeta num livro a ser lançado. Num encontro fortuito na Praça do Ferreira, Leota , meio zangado fez a cobrança . Quintino, de pronto respondeu: “ - Mas Leota , por causa de umas quadras , aqui nesta quina , você quer fazer uma cena comigo ? “ .
Certa feita Leota estava sendo cobrado por um albergueiro de Minas Gerais chamado “ Maleta “ uma hospedagem por aquelas paragens. A resposta foi feita através de uma carta versificada em rimas terminadas em ata, eta, ita, ota e uta:
“ Meu caro amigo Maleta,
Tenha pena do poeta.
Eu vejo a coisa tão preta
Que não quero ser profeta
Posso lá dizer-lhe a data,
Em que terei a dita,
De pagar-lhe esta maldita
Conta que a tanto me mata?
Eu não sou homem de fita
E por isso evito a rata
De dizer-lhe a data exata,
Em que esta conta se quita.
Veja bem a minha luta,
A paciência se esgota.
Que vida filha da puta!
Saudações, Leonardo Mota”.
Quanto ao livro“ No Tempo de Lampião “, Leota relata casos verídicos ou não, dissecando a realidade brutal e, às vezes, jocosa, da vida destas tristes criaturas do cangaço:
“ Numa fazenda no município de Princesa, na Paraíba, Lampião riscou com um punhal as costas de um velho dono da casa para descobrir o paradeiro do Tenente Mané Benício. A mulher e um filho do fazendeiro rogavam piedade ao bruto cangaceiro. Lampião tira do bolso um maço de cigarro e oferece ao velho que tremia assustado:
- Fuma?
O fazendeiro não conseguia falar. Lampião repete a pergunta, desta vez berrando aos ouvidos do pobre homem:
- Fuma?
Aí, todo obsequioso, o infeliz responde:
- Fumo, mas se vosmicê quiser, eu largo o vício “.
No “ Adagiário Brasileiro, Leota com a ajuda dos dois filhos Moacir e Murilo gravou para sempre a filosofia matuta ou popular para a eternidade:
“ Sapo não pula por boniteza e sim por precisão “
“ Ferida pequena é que dói “
“ Mulher, cachaça e bolacha, em toda parte se acha “
“ Sogro e sogra, milho e feijão, só dá resultado debaixo do chão “
“ A mão na dor e o olho no amor “
“ Todo mundo inveja o vinho que eu bebo, mas ninguém sabe as quedas que eu levo “
“ Mais tem Deus pra dar que diabo pra vender “
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