sexta-feira, 24 de abril de 2015

EDUARDO GALEANO  ,  UM MAGO DA PALAVRA


Eduardo Galeano ( 1940 – 2015 ) que há pouco empreendeu  uma caminhada rumo às estrelas , foi um combatente  jornalista uruguaio , plural e generoso no manuseio poético da palavra escrita ou falada . Em Montevidéu veio ao mundo em 1940 e precocemente fez sua estreia no mundo das letras  . Viveu exilado na Argentina e na Catalunha  , Espanha . Galeano passeou livremente pelo ensaio  , crônica , conto e poesia . Recebeu vários  prêmios : Casa de las Américas  ; Ministério da Cultura do Uruguai ; American Book Award da Universidade de Washington ; Prêmio a la Comunicacion Solidária , de Córdoba .
O polêmico livro “ As Veias Abertas da América Latina “ lhe proporcionou fama mundial , mas a trilogia “ Memória do Fogo “ coloca- o no panteão dos grandes pensadores latino-americanos contemporâneos .

Uma pequena mostra do pensamento poético de Galeano  , em tradução livre , já semeando saudade  :
“ Que tal se deliciar por um pequeno pedaço de tempo ?
Que tal se cravarmos os olhos além da infâmia  , para adivinhar outro mundo possível ?
O ar estará limpo de todo veneno que não provenha dos medos humanos e das humanas paixões  ...
Nas ruas os automóveis serão desbancados  pelos  cães ...
A gente não será manuseada pelos automóveis  , nem será programada pelo ordenador ,nem será comprada pelo supermercado , nem será tampouco vigiada pelo televisor .
O televisor deixará de ser o membro mais importante  da família e será tratado como uma  prancha , ou uma máquina de lavar – roupas .
Se incorporará aos códigos penais o  delito de estupidez , que cometem aqueles que vivem por ter ou por ganhar  em vez de ...  viver   por não mais .... Como canta o pássaro sem saber e como joga a criança sem saber que  joga .
 Em nenhum país serão presos os jovens que se neguem a cumprir o serviço  militar , senão aqueles que querem cumpri –lo  .
Ninguém viverá para trabalhar  , porém todos trabalharemos para viver .
Os economistas não chamarão nível de vida ao nível de consumo nem chamarão qualidade de vida à quantidade de  coisas .
Os cozinheiros não irão crer que às lagostas lhe encanta mais que ervas  vivas .
Os historiadores não crerão que aos países lhes encanta ser  invadidos  .
Os políticos não crerão que aos pobres lhes encanta comer  promessas .
A solenidade se deixará de crer que é uma  virtude , e ninguém , ninguém , levará a sério  a ninguém que seja capaz de ridicularizar o outro  .
A morte e o dinheiro perderão seus mágicos poderes  , e nem por falecimento nem por fortuna se converterá o canalha em virtuoso cavalheiro .
A comida não será uma   mercadoria , nem a comunicação um negócio ...  porque  a comida e a comunicação são direitos humanos .
Ninguém morrerá de  fome ...  porque ninguém morrerá de indigestão .
Os meninos de rua não serão tratados como se fossem   lixo , porque não haverá meninos nas ruas .
As crianças ricas não serão tratadas como se fossem dinheiro  , porque não haverá crianças ricas .
A educação não será um privilégio de quem possa paga - la e a polícia não será a maldição de quem não posa compra- la .
A justiça e a liberdade   ...  irmãs  siamesas  condenadas a viver separadas , tornarão a juntar –se , bem coladas , espádua com espádua .
Na  Argentina , as loucas da Praça de Maio serão um exemplo de saúde mental  , porque elas se negaram a esquecer nos tempos da amnésia obrigatória .
A santa Madre Igreja carregará algumas erratas das Tábuas de Moisés  , e o sexto mandamento ordenará : festejar o corpo . A Igreja também ditará outro mandamento que se havia esquecido a  Deus : amarás à natureza da qual fazes parte .
Serão reflorestados os desertos do mundo e os desertos da  alma .
Os desesperados serão esperados e os pedidos serão encontrados  , porque eles se desesperaram de tanto esperar e eles se perderam de tanto buscar .
Seremos compatriotas e contemporâneos de todos os que tenham vontade de  beleza , e vontade de justiça ...  hajam  nascido quando hajam nascido  e hajam vivido onde hajam vivido , sem que se importe nem um pouco as fronteiras do mapa nem do tempo .
Seremos   ...   imperfeitos  , porque a perfeição seguirá sendo o aborrecido privilégio dos deuses.
Porém no mundo  , neste mundo torpe e fodido , seremos capazes de viver cada dia como se fora o primeiro e
cada noite como se fora a última .
“ O Mundo “ :
“ O mundo é isso : um montão de gentes ,
Um mar de pequenos  fogos . O mundo é isso.
Cada pessoa  brilha com luz própria
Entre todas as demais  , cada pessoa .
Não há dois fogos  iguais .
Há fogos  grandes , fogos pequenos
Há fogos de todas as  cores .
Há gente de fogo  sereno ,
Que nem se inteira do vento
E gente de fogo louco
Que enchem o ar de chispas
Alguns fogos bobos
Que não alumiam nem queimam,
Porém outros ardem a vida
Com tantas ganas
Que quem se acerca  , se queima
Se queima “ .




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