EDUARDO GALEANO , UM
MAGO DA PALAVRA
Eduardo Galeano ( 1940 – 2015 ) que há pouco empreendeu uma caminhada rumo às estrelas , foi um
combatente jornalista uruguaio , plural
e generoso no manuseio poético da palavra escrita ou falada . Em Montevidéu veio
ao mundo em 1940 e precocemente fez sua estreia no mundo das letras . Viveu exilado na Argentina e na
Catalunha , Espanha . Galeano passeou
livremente pelo ensaio , crônica , conto
e poesia . Recebeu vários prêmios : Casa
de las Américas ; Ministério da Cultura
do Uruguai ; American Book Award da Universidade de Washington ; Prêmio a la
Comunicacion Solidária , de Córdoba .
O polêmico livro “ As Veias Abertas da América Latina “ lhe
proporcionou fama mundial , mas a trilogia “ Memória do Fogo “ coloca- o no
panteão dos grandes pensadores latino-americanos contemporâneos .
Uma pequena mostra do pensamento poético de Galeano , em tradução livre , já semeando saudade :
“ Que tal se deliciar por um pequeno pedaço de tempo ?
Que tal se cravarmos os olhos além da infâmia , para adivinhar outro mundo possível ?
O ar estará limpo de todo veneno que não provenha dos medos
humanos e das humanas paixões ...
Nas ruas os automóveis serão desbancados pelos cães ...
A gente não será manuseada pelos automóveis , nem será programada pelo ordenador ,nem
será comprada pelo supermercado , nem será tampouco vigiada pelo televisor .
O televisor deixará de ser o membro mais importante da família e será tratado como uma prancha , ou uma máquina de lavar – roupas .
Se incorporará aos códigos penais o delito de estupidez , que cometem aqueles que
vivem por ter ou por ganhar em vez de
... viver por não
mais .... Como canta o pássaro sem saber e como joga a criança sem saber que joga .
Em nenhum país serão
presos os jovens que se neguem a cumprir o serviço militar , senão aqueles que querem cumpri
–lo .
Ninguém viverá para trabalhar , porém todos trabalharemos para viver .
Os economistas não chamarão nível de vida ao nível de
consumo nem chamarão qualidade de vida à quantidade de coisas .
Os cozinheiros não irão crer que às lagostas lhe encanta
mais que ervas vivas .
Os historiadores não crerão que aos países lhes encanta ser invadidos .
Os políticos não crerão que aos pobres lhes encanta comer promessas .
A solenidade se deixará de crer que é uma virtude , e ninguém , ninguém , levará a
sério a ninguém que seja capaz de
ridicularizar o outro .
A morte e o dinheiro perderão seus mágicos poderes , e nem por falecimento nem por fortuna se
converterá o canalha em virtuoso cavalheiro .
A comida não será uma
mercadoria , nem a comunicação um
negócio ... porque a comida e a comunicação são direitos humanos
.
Ninguém morrerá de fome ... porque ninguém morrerá de indigestão .
Os meninos de rua não serão tratados como se fossem lixo ,
porque não haverá meninos nas ruas .
As crianças ricas não serão tratadas como se fossem dinheiro
, porque não haverá crianças ricas .
A educação não será um privilégio de quem possa paga - la e
a polícia não será a maldição de quem não posa compra- la .
A justiça e a liberdade ... irmãs siamesas
condenadas a viver separadas , tornarão a juntar –se , bem coladas ,
espádua com espádua .
Na Argentina , as
loucas da Praça de Maio serão um exemplo de saúde mental , porque elas se negaram a esquecer nos
tempos da amnésia obrigatória .
A santa Madre Igreja carregará algumas erratas das Tábuas de
Moisés , e o sexto mandamento ordenará :
festejar o corpo . A Igreja também ditará outro mandamento que se havia
esquecido a Deus : amarás à natureza da
qual fazes parte .
Serão reflorestados os desertos do mundo e os desertos da alma .
Os desesperados serão esperados e os pedidos serão
encontrados , porque eles se desesperaram
de tanto esperar e eles se perderam de tanto buscar .
Seremos compatriotas e contemporâneos de todos os que tenham
vontade de beleza , e vontade de justiça
... hajam nascido quando hajam nascido e hajam vivido onde hajam vivido , sem que se
importe nem um pouco as fronteiras do mapa nem do tempo .
Seremos ... imperfeitos
, porque a perfeição seguirá sendo o aborrecido privilégio dos deuses.
Porém no mundo ,
neste mundo torpe e fodido , seremos capazes de viver cada dia como se fora o
primeiro e
cada noite como se fora a última .
“ O Mundo “ :
“ O mundo é isso : um montão de gentes ,
Um mar de pequenos fogos . O mundo é isso.
Cada pessoa brilha
com luz própria
Entre todas as demais , cada pessoa .
Não há dois fogos iguais .
Há fogos grandes ,
fogos pequenos
Há fogos de todas as cores .
Que nem se inteira do vento
E gente de fogo louco
Que enchem o ar de chispas
Alguns fogos bobos
Que não alumiam nem queimam,
Porém outros ardem a vida
Com tantas ganas
Que quem se acerca ,
se queima
Se queima “ .
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