domingo, 12 de fevereiro de 2023

 Assis Valente - Sossega Leão

" Boneca de pano / gingando num cabaré / poderia ser bonequinha de louça/ tão moça, mas não é/ um dia alguém a chamou de boneca / e ela sendo mulher , acreditou / o tempo foi se passando/ e ela se desmanchando/ e hoje quem olha pra ela / não diz quem é/ em vez de boneca de louça/ hoje é boneca de pano/ de um sombrio cabaré ".
No " colar de pérolas do pecado " que envolvia com um gentil abraço o centro da Loura Desposada do Sol , num passado recente, " bonequinhas de pano " jogavam confetes e suas mágoas no colo de tristes boêmios notívagos. Assis Valente , espiritualmente , gemia suas dores nas boates Fascinação, Continental , Leila , e no nostálgico Bar da Alegria , em Fortaleza .
Assis Valente ( 1911 - 1958 ) , nasceu no Caminho de Bom Jardim a Patioba, na Bahia , no ano de 1911 . Seus pais , José de Assis Valente e Maria Esteves Valente , cedo entregaram o petiz para ser criado por outra família . Assis realizou o sonho torto de muita gente , fugindo nas asas de um circo mambembe por esse mundo afora .
Em Salvador , frequentou o Liceu de Artes e Ofícios , onde tirou uma especialização em próteses dentárias.
Em 1932 , na Cidade Maravilhosa , conheceu o compositor Heitor dos Prazeres que o incentivou a seguir adiante , ao ser apresentado a algumas de suas composições musicais . Assis Valente lançou uma infinita quantidade de músicas que ganharam asas nas vozes de Francisco Alves e Carmen Miranda , por quem o protético Assis nutria uma paixão platônica.
Camisa listrada ; Boas Festas ; Boneca de pano ; Brasil pandeiro ; Cai , cai , balão; são alguns dos sucessos lançados por Assis Valente .
Assis casou - se em 1941 e pouco tempo depois separou - se , deixando uma filha , Nara Nadili, nascida em 1942 . Neste turbulento período , Assis atirou - se do alto do Corcovado, sendo , milagrosamente, amparado pelos galhos de uma árvore amiga .
Salvou - se .
Tempos depois , cortou o pulso esquerdo com uma lâmina de barbear .
Sobreviveu .
Por coincidência, no dia seguinte a esse triste episódio , uma parceira de infortúnio, Maysa Matarazzo, a musa da fossa , o imita e vai parar num hospital para ligeiros reparos . Ela ainda tentaria em outras ocasiões buscar a paz , a seu modo .
Duas almas - gêmeas, dois cometas . Assis Valente viveu 48 anos , Maysa , viveu 40 anos .
Assis elaborava canções numa velocidade alucinante, e muitas delas foram vendidas para o pagamento de dívidas. Estas o levaram a um definitivo encontro com a indesejada das gentes . Em 10 de março de 1958 , Assis passou em busca de uns numerários salvadores , na Sociedade Arrecadadora de Direitos Autorais . Ali dinheiro não havia , e Assis recebera das mãos do tesoureiro, somente um remédio tranquilizante .
Assis ligou para o seu editor , Vicente Vitale, e para o embaixador e amigo Pascoal Carlos Magno , dando conta de seu firme propósito de parar de vez com com o seu atroz sofrimento terreal .
Os dois contatados tentaram falar com a polícia. Foi tudo em vão.
Solitário, num prosaico banco de praça, Assis Valente , confirmando a robustez de seu sobrenome , enfrentou de frente a parca , ingerindo guaraná com formicida .
Acabou !
Num bilhete , pedia ao compositor Ary Barroso que quitasse uma dívida pendente , igual ao que fizera Sócrates, o filósofo grego , que antes de beber a sicuta , mandou que fosse entregue , como pagamento de uma dívida, um galo a Asclépio .
Deste modo , ambos deixaram a vida para caírem, de vez , nos braços da história .
" Vestiu uma camisa listrada e saiu por aí/ em vez de tomar chá com torrada / ele bebeu parati / levava um canivete no cinto e um pandeiro na mão/ e sorria quando o povo dizia : sossega leão, sossega leão/ tirou o seu anel de doutor pra não dar o que falar / e saiu dizendo mamãe eu quero mamar , mamãe eu quero mamar/ levou um saco de água quente para pra fazer chupeta / rompeu minha cortina de veludo pra fazer uma saia / abriu meu guarda - roupa e arrancou minha combinação/ e até do cabo de vassoura ele fez um estandarte / para o seu cordão/ agora que a batucada já vai começando/ não deixo e não consinto o meu querido debochar de mim / porque se ele pega minhas coisas / vai dar o que falar / se fantasia de Antonieta / e vai brincar no Bola - Preta até o sol raiar " .
Acabou !
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 "Compreender a vontade do Céu leva à sabedoria. O sábio não se aflige com o fato de os homens não o conhecerem. Ele se aflige por não conhecer os homens. Na cólera, o sábio pensa em suas consequências. O sábio não oprime os outros com sua superioridade.

Ele não os humilha por causa de sua impotência. O sábio dedica - se a ser lento em suas palavras e diligente em seus atos.
O sábio respeita tudo. Antes de tudo, ele se respeita a si mesmo. O sábio olha para seu dever, o vulgar olha para seu interesse.
O sábio espera tudo de si mesmo. O vulgar espera tudo dos outros.
O sábio vê o conjunto, não o detalhe. O vulgar compara e não generaliza. "
Confúcio (551a.C -479 a.C).
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 ENQUANTO A CHUVA CAI

Ao poeta José Dirceu Vasconcelos
Domingo do pé do cachimbo na loira desposada do sol com o céu bonito para chover. Nuvens plúmbeas com carrancas, vagueiam lentamente engolindo os serrotes que emolduram Fortaleza de Nossa Senhora de Assunção. O rei- sol cabreiro, ainda não deu seu ar da graça, talvez receando uma vaia do tipo Ceará – moleque: “ arrocha, negrada! “.
Roguemos a São Pedro que providencie o maneiro pisca-pisca alumiando tudo, derrube cadeiras a granel e abra com força as torneiras do céu fazendo jorrar o milagroso líquido salvador. Minore, de vez, o sofrimento de uma gente que é antes de tudo forte e temente a Deus!
“ A chuva cai. O ar fica mole...
Indistinto ... ambarino... gris...
E no monótono matiz
Da névoa enovelada bole
A folhagem como a bailar.
Torvelinhai, torrentes do ar!
Cantai, ó bátega chorosa,
As velhas árias funerais.
Minh ‘alma sofre e sonha e goza
À cantilena dos beirais.
Meu coração está sedento
De tão ardido pelo pranto.
Dai um brando acompanhamento
À canção do meu desencanto.
Volúpia dos abandonados...
Dos sós... – ouvir a água escorrer,
Lavando o tédio dos telhados
Que se sentem envelhecer...
Ó caro ruído embalador,
Terno como a canção das amas!
Canta as baladas que mais amas,
Para embalar a minha dor!
A chuva cai. A chuva aumenta.
Cai, benfazeja, a bom cair!
Contenta as árvores! Contenta
As sementes que vão abrir!
Eu te bendigo, água que inundas!
Ó água amiga das raízes,
Que na mudez das terras fundas
Às vezes são tão infelizes!
E eu te amo! Quer quando fustigas
Ao sopro mau dos vendavais
As grandes árvores antigas,
Quer quando mansamente cais.
É que na tua voz selvagem,
Voz de cortante, álgida mágoa,
Aprendi na cidade a ouvir
Como um eco que vem na aragem
A estrugir, rugir e mugir,
O lamento das quedas d’água! ”
Poema “ Enquanto a chuva cai “ de autoria do mago pernambucano Manuel Bandeira (1886 – 1968) integrante do centenário livro “ A Cinza das Horas “ de 1917.
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 Joubert de Carvalho : Medicina e Música

Joubert Gontijo de Carvalho ( 1900 - 2977 ) , nasceu na cidade de Uberaba , em Minas Gerais . Filho do fazendeiro Tobias de Carvalho , e de Dona Francisca Gontijo de Carvalho . Aos nove anos de idade , o garoto Joubert iniciou seu contato com o aristocrático piano . Sua primeira composição musical data de 1913 , com uma valsa denominada " Cruz Vermelha " .
Em 1920 , já no Rio de Janeiro , Joubert inicia , aos 20 anos de idade , seu curso superior em medicina . Defende em 1925 sua Tese de Conclusão de Curso ( TCC ) , com o sugestivo e gaiato título: " Sopros Musicais do Coração " .
Compartilhar música e medicina nunca constituiu uma tarefa fácil. Muitos tentaram e ficaram perdidos no meio do caminho , como o cearense Antônio Carlos Belchior ( 1946 - 2017 ) , e o carioca Noel Rosa ( 1910 - 1937 ) , que nunca concluíram o curso médico .
" Taí , eu fiz tudo pra você gostar de mim / ah ! meu bem , não faz assim comigo não/ você tem , você tem que me dar seu coração ! / meu amor , não posso esquecer / se dá alegria, faz também sofrer / a minha vida sempre foi assim / só chorando as mágoas que não tem fim / essa história de gostar de alguém / já é mania que as pessoas têm/ se me ajudasse Nosso Senhor/ eu não pensaria mais no amor".
Composição " Ta - hi " , ou , " Pra você gostar de mim" , do ano de 1930 , uma das 28 músicas de Joubert de Carvalho que a brejeira Carmen Miranda ( 1909 - 1955 ) gravou .
Em 1932 , Joubert de Carvalho compõe " Maringá " , gravada por Gastão Formenti , tornando - se um clássico do cancioneiro popular . Tal música foi feita por encomenda para agradar ao político e escritor José Américo de Almeida ( 1887 - 1980 ) , autor do clássico romance " A Bagaceira " .
" Foi numa leva que a cabocla Maringá/ ficou sendo a retirante que mais dava o que falar / e junto dela veio alguém que suplicou / pra que nunca se esquecesse um caboclo que ficou / Maringá , Maringá / depois que tu partiste / tudo aqui ficou tão triste / que eu garrei a imaginar / Maringá, Maringá/ para haver felicidade / é preciso que a saudade vá bater noutro lugar / Maringá, Maringá / volta aqui pro meu sertão / pra de novo o coração / de um caboclo sossegar / antigamente, uma alegria sem igual/ dominava aquela gente da cidade de Pombal / mas veio a seca , toda a chuva foi embora / só restando então as águas dos meus olhos quando choram " .
Maria , era uma retirante da cidade de Ingá , que virou " Maria do Ingá " , e para caber na música terminou virando Maringá , que cedeu o nome para a cidade de Maringá, no norte do Paraná.
" Foi num dia de tristeza / que a cidade abandonei / sem saber o que fazer / na esperança de encontrar / pela vida, algum prazer / alegria em algum lugar/ lá no alto da Tijuca / tem um sitio bem florido / onde agora estou morando/ com os pássaros em festa / de galho em galho cantando / lá dentro , pela floresta / minha casa é tão bonita / que dá gosto a gente ver / tem varanda , tem jardim / ainda agora estou esperando/ uma rede para mim / a embalar de quando em quando / minha casa é uma riqueza / pelas joias que ela tem / minha casa tem de tudo / tanta coisa de valor / minha casa não tem nada / vivo só, não tenho amor ".
Música " Minha Casa " de Joubert de Carvalho .
O legado de Joubert de Carvalho vai permanecer por muito tempo como um exemplo de uma vida regular dedicada à difícil arte de Hipócrates, em perfeita conjunção com o efervescente mundo da música e da boêmia.
Joubert , contudo, nunca foi boêmio, nem tocou em álcool, e os botequins jamais o atraíram.
Ponto Final !
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quinta-feira, 2 de fevereiro de 2023

 Um Simples Olhar sobre o Anoitecer da Vida

" O que há de interessante numa vela ? Não é a cera nem o pavio . É a chama .Quer a vela seja nova ou esteja se acabando, a chama é a mesma , produz o mesmo calor e a mesma luz . Assim , também o que importa no ser humano não é apenas o seu corpo , perecível e mortal , mas sua inteligência, seu ser , o mesmo do nascimento à morte .
A capacidade , o desejo de viver , alteram - se conforme a idade , mas não tem idade ". ( Pierre Guillet ) .
Por favor , não tenha pressa , pois um certo dia , ela se desnuda , sorrateira, como uma maré, lentamente , lambendo a areia da praia , ou de forma súbita na voz de um petiz num semáforo :
" - Vai lá, vovô, descola aí um trocado para matar minha fome " ; ou , simplesmente, uma mão salvadora sendo ofertada para ajudar na travessia de uma movimentada avenida .
O xeque - mate fica por conta do indiscreto espelho do banheiro , desenhando rugas e cinzelando sulcos num surpreso rosto que nunca se mostrou daquele jeito .
Pura crueldade , triste realidade , não ?
Se achegue e ponha - se á mesa , minha "nova " companheira !
Ademais , aparecem os velhos clichês de sempre :
" Um dos privilégios da velhice é ter , fora da própria idade , todas as idades ".
" Envelhecer aborrece , mas é o único meio para viver um longo tempo ".
" Todos querem viver muito tempo , mas ninguém quer envelhecer ".
Envelhecer , de Michel Quoist (1921 - 1997) :
" Envelheço, Senhor, e é penoso envelhecer !
Não posso mais correr , nem andar depressa.
Não posso mais carregar peso
E subir depressa a escada de casa ...
Minha memória fraqueja e , rebelde , oculta - me datas e nomes que , contudo conhece .
Cada dia mais , vejo - me só ,
Só com minhas lembranças e meus antigos dissabores que no meu coração continuam vivos,
Enquanto as alegrias muitas vezes ficam esquecidas ... Senhor , como acreditar que o tempo de hoje , seja o mesmo de ontem que corria tão veloz , certos dias , certos meses, tão velozes que não conseguia alcançá - los , fugiam de mim
Antes que eu pudesse enche - los de vida ?
Hoje tenho tempo , Senhor , tempo demais .
Tempo que se amontoa a meu lado , sem serventia . Eu estou aí , imóvel, inútil .
Envelheço, Senhor , e é penoso envelhecer , tanto que alguns dos meus amigos te pedem amiúde , o fim desta vida que se torna , pensam , agora inútil.
- Estão enganados , meu pequeno - diz o Senhor .
- E tu também que não o dizes , mas , às vezes, os aprovas ...
Pois um coração que bate , embora muito desgastado ,
Ainda dá vida ao corpo que habita .
E o amor neste coração pode brotar .
Muitas vezes mais intenso e mais puro
Quando o coração cansado lhe deixa enfim lutar .
Vidas transbordantes podem estar vazias de amor , enquanto outras , parecendo banais , irradiam até o infinito.
Vê minha mãe, Maria , chorando
Parada ao pé da cruz .
Estava aí. De pé, sim ,
Mas também impotente, tragicamente impotente , nada fazia , só estava aí.
Toda recolhida , toda acolhedora , e inteiramente ofertante ,
E foi também comigo que salvou o mundo ,
Dando - lhe todo o amor perdido pelos homens
Nas estradas do tempo ...
Acredita em mim , tua vida hoje pode ser mais rica que ontem , se aceitares vigiar , sentinela imóvel na tarde que se finda . E se sofres por não teres mais nada nas mãos para me dar ,
Oferece - me tua impotência. E , juntos, digo - te :
Continuaremos salvando o mundo " .
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