domingo, 2 de março de 2025

 Fortaleza Antiga : Carnaval da Saudade .

A mimosa Fortaleza dos anos 50 do século passado , vivia um mágico momento após o término da Segunda Guerra Mundial ( 1939 - 1945 ) , e no tríduo momino, esbanjava seu charme em clubes elegantes, bares , boates e, especialmente nas ruas com o corso / desfile de blocos.
O Carnaval de rua tinha início na área central da cidade , na Coluna da Hora, ao lado do Abrigo Central , e envolvia as ruas Senador Pompeu, Floriano Peixoto , Duque de Caxias e Dom Manoel . Por aquelas bandas desfilavam os Maracatus, as Escolas de Samba e os Cordões. O som dolente compassado e triste dos maracatus, marcado por triângulos robustos e surdos, com suas rainhas , baianas e escravos meneando um bailado rodopiante que contagiava a todos :
" Eu vou , eu vou e você não vai/ apanhar macaúba no meu balaio/ apanhar macaúba no meu balaio/ eu vou , eu vou e você não vai " .
Os Maracatus Estrela Brilhante, Rancho de Iracema , Ás de Espadas , Leão Coroado, e
Rei de Paus , faziam a alegria da moçada que dava um verdadeiro banho de lança - perfume no alvo sorriso das belas rainhas africanas. A Escola de Samba Luiz Assunção, algo insólito, era formada apenas pelos componentes da orquestra sob a batuta do próprio Luiz Assunção , compositor , pianista maranhense / cearense . Nenhum passista se apresentava neste bloco . A Escola de Samba Prova de Fogo exibia seus componentes ostentando na cabeça um esquisito chapéu de alumínio. Pontuava também a Turma dos Camarões, a Turma Bamba , os Garotos do Frevo, e o famigerado Cordão das Coca- Colas.
Sabe- se que , no final da Segunda Guerra Mundial, os militares americanos além das saudades da capital cearense, deixaram muitas " viúvas jovens " , ditas Coca- Colas " , supimpas garotas citadinas que mantinham algum envolvimento com os gringos da Vila Morena, situada na Praia de Iracema , num clube para entretenimento de oficiais do Tio Sam, e embrião do Restaurante Estoril, lar fraterno da boêmia cabeça - chata nas décadas seguintes. Naquele antro , moçoilas foram apresentadas ao famigerado refrigerante americano Coca - Cola , uma raridade na ocasião. Afirma- se , ainda que sem provas que algum cabeça- chata mordido de inveja dos branquelas estrangeiros , tenha criado o epíteto " Coca -Colas " para as gentis filhas do solo de Alencar . Humor picaresco à parte, o certo é que o termo caiu no gosto da gandaia . Uma cidade provinciana , à época, aceitar aquelas avançadas e liberais garotas de " boa família " que não mendigavam vantagens pecuniárias , metidas naquele furdunço, não era uma mera folia .
O corso , com automóveis e caminhões, envolvia gente de todo lugar, desde as mimosas damas e garbosos cavalheiros das famílias tradicionais cearenses, com suntuosas fantasias, até as representantes das pensões alegres da cidade, que não eram poucas. As " madames " com muitas purpurinas e paetês e suas " garotas " esbanjavam luxo e picardia para inocentes marmanjos a levarem corretores beliscões das digníssimas patroas. O aviso era claro :
" Se instruir Lança Perfume nestas sirigaitas , vai levar pela na frente dos outros " .
Ali estavam representadas as principais casas de perdição da cidade : Boate Monte Carlo , Boate Hollywood , Bar da Alegria, Boate Fascinação e Boate Imperatriz , representadas pelas suas proprietárias: Fanny, Graça, Naninha , Júlia Paraibana, e uma figura à parte, o gigante Zé Tatá. Tão logo o rei - sol voltava as costas para a terrinha, as luzes do pecado se acendiam para a noite de fuzarca naquele colar do pecado que envolvia o centro de Fortaleza. Muitos escorregavam para os clubes sociais da bela desposada do sol: Maguari, Náutico, Diários, Comercial, Líbano, Círculo Militar, Romeu Martins, Secai , Terra e Mar , Ícaro, Tira e Linha , e General Sampaio .
Nas diversas ruas e praças da cidade, levas de brincantes, incluindo " os papangus " , homens grotescamente vestidos de mulher, em algazarra, faziam um carnaval à parte. Eram "os sujos" . Nos dias seguintes a este folguedo de quatro dias, onde tudo era permitido, aumentava o faturamento das Farmácias Galeno, Pasteur, Arthur de Carvalho, Osvaldo Cruz e Belém, com a procura de Sal de Fructa Eno, Emulsão Scott, Cibalena, Instantina e Pílulas de Vida do Doutor Ross. Em ambulatórios no centro como o do " Prático Almeida " , disparava a demanda de Terramicina, Meracilina, Benzetacyl, Nitrato de Prata, Mercúrio Cromo e Furacin. O que ia além do conhecimento daquele humilde homem de branco, migrava para os serviços de Urologia da Santa Casa de Misericórdia e do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina. Constituia a tradução fiel de uma verdade medieval : " Uma noite com Vênus e o resto da vida com Mercúrio " .
" Quanto riso, oh! quanta alegria/ mais de mil palhaços no salão/ Arlequim está chorando pelo amor de Colombina/ no meio da multidão/ foi bom te ver outra vez/ está fazendo um ano/ foi no carnaval que passou/ eu sou aquele Pierrô / que abraçou/ que te beijou, meu amor/ na mesma máscara negra/ que esconde o teu rosto/ eu quero matar a saudade/ vou beijar- te agora/ não me leve a mal, hoje é carnaval " ( Composição Máscara Negra, da autoria de Zé Keti - 1921 - 1999 .
Quase tudo foi engolido pela voragem do tempo. Apagaram- se as luzes dos clubes sociais, sumiu o corso e, o mais drástico para os saudosistas, as pensões alegres foram postas ao chão para ceder lugar a horríveis e estéreis estacionamentos. Barbaridade !
Foto que ilustra a crônica : Mercado Central de Fortaleza na Rua Conde D'Eu , nos anos 50 do século passado.
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