O Cearense Mário Gomes : Um Adeus
Mário Gomes ( 1947 - 2014 ) , filho de pai motorista , e mãe costureira , nasceu num bairro da periferia de Fortaleza . Há relatos de que cedo na vida passou por vários internamentos em hospitais psiquiátricos, onde conviveu com certos fármacos e eletrochoques .
E logo peregrinou pela cidade em companhia de boêmios, poetas , seres errantes e notívagos, sem nenhuma preocupação na esfera material. Quando necessitava de algo , simplesmente pedia , e tudo estava resolvido.
Caso vivesse na Grécia Antiga , Mário Gomes seria , por certo , um companheiro ideal para Diógenes que habitava um tonel e perambulava com uma lanterna à luz do dia a procura de um homem.
Mas , o inquieto poeta Mário Gomes, cedo percebeu que uma habitação convencional representaria para ele , uma sufocante prisão. A Praça do Ferreira acolheu amorosamente o poeta em sua breve existência terrena .
" Minha casa é meu corpo , meu carro também . Moro dentro de meus sapatos , ora ! Meu nome é pensamento ".
Em 2014 , o nosso poeta / boêmio / menino , encantou - se de vez . De que adianta agora chorar o riso , rir e engolir a lágrima do poeta , largado em sua morada sem teto num banco da Praça do Ferreira , devorado que foi por uma águia a lhe bicar o fígado, feito um Prometeu pós- moderno que tivera a insana coragem de se apropiar de versos , sob a guarda de encolerizados deuses do Olimpo.
Agora é tarde para cobrar das autoridades governamentais um mínimo de cuidados a um cidadão especial que não tinha condições de se manter sozinho , posto que , não sabia mensurar o perigo de viver. Para ele , sonho e realidade significavam o mesmo .
" Beijei a boca da noite / e engoli milhões de estrelas / fiquei iluminado/ bebi toda a água do oceano/ devorei as florestas / a humanidade ajoelhou - se a meus pés/ pensando que era a hora do Juízo Final / apertei com as mãos, a terra / derretendo - a / as aves em sua totalidade / voaram para o além/ os animais caíram do abismo espacial / dei uma gargalhada cínica/ e fui descansar na primeira nuvem / que passava naquele dia/ em que o sol me olhava assustadoramente/ fui dormir o sono da eternidade / e me acordei mil anos depois / por detrás do Universo ".
Comenta - se á boca - miúda que por ocasião da necropsia do bardo Mário Gomes , foi percebido que saíram a voejar do seu ventre aberto , um carrossel de rimas entremeados com coloridas borboletas e colibris.
Mário, cabreiro , deliciava - se com a cena , observando elas sumirem entre as nuvens do divino . Chegou a parolar com uma borboleta retardatária, mandando um recado para dois amigos : José Alcides Pinto ( 1923 - 2008 ) , e José Albano ( 1882 - 1923 ) , que em breve chegaria para empreender seu perpétuo caminhar caçando rimas e prosas para além do Universo .
" Quando eu morrer , irão distribuir minhas camisas , minhas calças , minhas meias , meus sapatos . As cuecas jogarão fora , ninguém usa cuecas de defunto. Irão vasculhar minha gaveta , vão encontrar muita poesia , documentos e documentários. Só sei dizer que foi gostoso viver , sentir o amor e proteção de minha mãe, de conhecer meus irmãos, meus amigos , de ver de perto as mulheres.
Só posso deixar escrito :
" Obrigado, vida ! ".
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