Minha Amada Fortaleza : Um Preito de Saudade
Para o Poeta e Mestre Martinho Rodrigues
Rua Rodrigues Júnior, Rua Pero Coelho , Avenida Dom Manuel , e , Avenida Heráclito Graça. Um quadrilátero mágico. Meu berço, meu pequeno mundo, o mundo de minha infância e juventude. Um mágico pomar de lembranças de onde nunca saí, mesmo rolando ao longo da vida na poeira de muitos chãos. Lugar onde enterrei meu umbigo , e tolamente pensei que não houvesse vida fora daquele paraíso.
Uma parteira ( Dona Bárbara ) , me acolheu numa fria madrugada do mês de janeiro, na sala de uma modesta casa na Rua Rodrigues Júnior, 986, vizinha à Mercearia do Sr. Cavalcante. Era eu , o último rebento de uma família de cinco criaturas : Rita , Diana , Stela , Neto e Chico. Num Castelo de tom amarelo , defronte da minha casa , vivia um Rei , Luizão Primeiro e Único, da folia de momo. Na esquina da Rua Pero Coelho com a Rua Rodrigues Júnior, três irmãs balzaquianas , habitavam um belo bangalô , não voavam em vassouras , e pouca bola davam para os inconvenientes vizinhos . Colado à minha residência habitava um casal sem filhos , o Sr. Ernani , e D. Altair , que gentilmente me apresentaram às canções melosas de Nelson Gonçalves, Orlando Silva, Dalva de Oliveira , Anísio Silva , Nat King Cole , e , Paul Anka.
Compunham o insólito quadro de figuras do bairro , um delegado de Polícia , o Sr. Oliveira , montado em seu garboso cavalo, como um perfeito Roy Rogers.
Junto a um bando de garotos arteiros, descobri as delícias de um banho , pelado , no mimoso Riacho Pajeú, que ali perto serpenteava o chão, farejando o mar lá pelo poço das dragas, e nos ofertava carás e muçuns. Os Circos Nerino e Garcia pontuaram com frequência no areal próximo à Rua Pinto Madeira , com os seus impagáveis palhaços " de boca suja " .
Revestiam - se de uma pompa grandiosa as austeras e ricas procissões do Senhor Morto da Igreja Católica. Tal liturgia era carregada de todo um simbolismo que impressionava àqueles que de terço na mão se comprimiam ao longo da Avenida Dom Manoel.
A marcha fúnebre de Chopin, executada pela Banda de Música da Polícia Militar , acompanhada do rasgado seco de matracas nas mãos dos seminaristas da Prainha, compunha um quadro que nos remetia a era medieval.
Neste dia as rádios apenas tocavam músicas sacras , numa pungente tristeza , e as pensões alegres tinham suas portas lacradas.
Na Avenida Dom Manoel , situava - se o Colégio Castelo Branco , da Arquidiocese de Fortaleza . Fundado em 1900 , com o nome de Instituto Miguel Borges , passou a chamar - se Colégio Castelo Branco , após o falecimento de seu fundador . Plantado num prédio horizontal , como uma rica incubadora acadêmica , que deu origem a futuros parlamentares , médicos, agrônomos, juristas , jornalistas , e outras figuras importantes da sociedade cearense .
Compunham uma amorosa família: Padre Jorgelito Cals de Oliveira Padre Jonas Barros, Padre Hortêncio, Padre Gerardo, e Padre Jessé.
O plantel de mestres leigos do Colégio Castelo Branco , vário e heterogêneo era exemplar :
Prof. Muller, Prof. Tarcísio, Prof. Iago , Prof. Serra , Prof. Agnelo , Prof. Eleutério Costa , Prof. Américo, Prof. Guilherme Ellery, Prof. Batista , Prof. Viana , Prof . Cid Paracampos , e , um gentil mestre , Prof. Martinho Rodrigues , médico, poeta e humanista .
Não esqueci , claro , do querido Bedel Chiquinho, um verdadeiro pai para os alunos .
Nas esquinas da vida por onde pelejo , ao avistar caminhando um daquelas anjos , mestres de outrora , contrito , rogo - lhes , humildemente , perdão por não poder resgastar , a gigantesca dívida que tenho em vida para com eles . Carrego , sim , contente , todos comigo , bem junto ao peito.
" Ô leva eu , eu também quero ir / quando chego na ladeira tenho medo de cair / leva eu , minha saudade / menina , tu não te lembras daquela tarde fagueira/ tu te esqueças e eu me lembro/ ai , que saudade matadeira/ leva eu , minha saudade / na noite de São João/ no terreiro uma bacia / que é pra ver se para o ano / meu amor ainda me via / leva eu , minha saudade "
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