Os Urubus, de Otávio Lôbo
Para o bibliófilo e pastor de almas , Dr. Francisco de Assis Júnior.
" Não sei se todos, em criança tivemos esta casta volúpia. - Olhar urubus voando ... Naqueles tempos , quando a sombra da velha casa do " Canto Alegre" crescia na calçada da frente , eu me estirava num couro de ovelha e pascia a vista no côncavo do azul.
Mais longe , bem ao alto , onde a distância vai matando o agudo dos contornos , passa sereno um camiranga. Fisgo - lhe os olhos , dando linha ao infinito, qual fora um encantado papagaio de papel.
E a nódoa mingua num ponto, enterrando - se no céu, como alfinete em almofada de veludo. Outros surgem peneirando no ar. , gizando curvas morosas , virguladas de reentrâncias e pontuadas de indecisões, até que rumam o horizonte sem fim
Vezes há, tolda o levante um entrecuzar de asas delgadas como lâminas sarjando o espaço.
Por vezes, no equilíbrio do vôo, retraem de momento os encontros , num espreguiçar de cansaço. De raro , da altura , num arremesso de frecha, asas fechadas, dispara um tinga zunindo.
São urubus em raid.
Monótonos, negros , na majestade de vôo, pairam acima da contingência da terra.
Hoje espelham a imagem da vida. Altos e inacessíveis, perpassam como as ilusões intangíveis e fugidias.
Quem , desgraçado mortal , ousa alcancá - las, objetivando um sonho, sente o fastio do real, a decepção talvez de ver um urubu em marcha ..."
Composição " Urubus " , de João Otávio Lôbo (1892 - 1962 ) , nascido no município de Santa Quitéria, Ceará. Médico, escritor , professor universitário e político. Foi membro da Academia Cearense de Letras , e , da Academia Cearense de Medicina.
Nessa composição poética, o autor compara os urubus ( camiranga e tinga, termos de origem indígena) com a imagem da vida; voam alto , como as ilusões. Mas quem se aventurar a alcançar essas ilusões terá a mesma decepção que sentimos ao ver os urubus andando na terra: eles tão majestosos no espaço, são ridículos ao marchar no chão. ( Sânzio de Azevedo , em Literatura Cearense , 1976 ).
Há que se comparar estes urubus com certas criaturas vestidas de negro , habitantes de áreas planaltinas de Pindorama: majestosos, com semblante tosco, de nomes estrambóticos , inacessíveis , quase deuses , mas ridículos ao marchar no rés do chão.
Foto que ilustra a crônica: final de tarde , nesse sábado de aleluia no Porto das Dunas , onde, habitualmente, passeiam os camirangas.
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