" Se alguém me diz que é diminuir as musas o servir - se delas apenas por divertimento e passatempo, eu lhe direi que não sabe , como eu , quanto vale o prazer do espírito, o divertimento , o passatempo. Por pouco diria que qualquer outro fim é ridículo.
Vivo do romper d'alva ao fim do dia , e , salvo o respeito que devo aos outros, só vivo para mim : todos meus desígnios não visam outro fim além de mim.
Estudava , quando era jovem , para brilhar ; depois , para adquirir sabedoria ; agora, para divertimento do espírito ; nunca pelo ganho que pudesse ter. A mania que tive , vã e gastadora, de correr atrás de livros , não simplesmente para deles fazer a minha provisão de conhecimento, mas para ter o prazer e o luxo de os possuir , há muito já que a abandonei.
Os livros têm muitas qualidades agradáveis para aqueles que os sabem escolher. Mas não há nenhum bem que não custe o que vale : o prazer dos livros não é um prazer simples e puro , assim como não há outro qualquer que o seja; este tem as suas incomodidades, e bem pesadas; a alma encontra aí seu melhor exercício, mas o corpo , de cujo cuidado também não me esqueço, fica durante esse tempo sem atividade , e fica abatido e entristecido. Não sei de excesso mais prejudicial para mim , nem que eu mais deva evitar , do que este, no declínio em que me encontro."
Michel Eyquem de Montaigne ( 1533 - 1592 ) : político, jurista , filósofo, escritor , cético e humanista francês , considerado como o inventor do ensaio pessoal.
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