Música Popular Brasileira X Filosofia
Para o filósofo e menestrel de Sobral , Edmar
A filosofia - o amor à sabedoria- com suas indagações básicas, como : " de onde vim " , " quem sou " , e " para onde vou " , permeia também o mundo mágico da música popular brasileira. É o saber em estado bruto , de pessoas humildes, a maioria sem vivência acadêmica formal , com passagem duradoura , apenas nos bancos das escolas da vida , ditos poetas do morro . O enfeite do bolo faz- se com os menestréis oriundos do saber acadêmico, os poetas do asfalto. Uns e outros , dois caudalosos rios misturando suas águas , em busca do mesmo mar da cultura.
" O mundo me condena e ninguém tem pena/ falando sempre mal do meu nome/ deixando de saber se eu vou morrer de sede/ ou se vou morrer de fome/ mas a filosofia hoje me auxilia/ a viver indiferente assim/ nesta prontidão sem fim/ vou fingindo que sou rico/ pra ninguém zombar de mim/ não me incomodo que você me diga/ que a sociedade é minha inimiga/ pois cantando neste mundo/ vivo escravo do meu samba, muito embora vagabundo/ quanto a você da aristocracia/ que tem dinheiro , mas não compra alegria/ há de viver eternamente sendo escravo desta gente/ que cultiva a hipocrisia " .
Composição musical: Filosofia , da autoria de Noel Rosa . Com boa formação intelectual , o boêmio Noel, faz crítica ao modo de vida ( boêmia) , à luta de classes ( rico, pobre ) , e ao poder da grana ( capitalismo) , que ergue e destrói coisas belas . O compositor portava todos os atributos de poeta do asfalto , e convivia , harmoniosamente, com os poetas do morro.
" Nada do que foi será/ de novo do jeito que já foi um dia/ tudo passa, tudo sempre passará/ a vida vem em ondas, como um mar/ num indo e vindo infinito/ tudo que se vê não é/ igual ao que a gente viu há um segundo/ tudo muda o tempo todo no mundo/ não adianta fugir/ nem mentir pra si mesmo/ agora/ há tanta vida lá fora/ aqui dentro, sempre/ como uma onda no mar. "
Composição musical: Como uma Onda , da autoria de Nelson Motta , e Lulu Santos. Os dois, filhos da classe média, misturando filosofia Zen nas ondas de Heráclito de Éfeso ( 540- 480 a.C. ) , filósofo da natureza , que falava na mudança eterna, no devir , no indo e vindo infinito. " Ninguém toma banho duas vezes no mesmo rio , pois ambos , o rio e a pessoa, são diferentes .
" És um senhor tão bonito/ quanto a cara do meu filho / tempo, tempo, tempo, tempo /vou te fazer um pedido/ tempo, tempo, tempo, tempo/ compositor de destinos/ tambor de todos os ritmos / entro em acordo contigo/ por seres tão inventivo/ e pareceres continuo / És um dos deuses mais lindos / que sejas ainda mais vivo / no som do meu estribilho/ tempo, tempo, tempo, tempo/ ouve bem o que te digo / peço o prazer legítimo/ e o movimento preciso/ quando o tempo for propício / de modo que o meu espírito / ganhe um brilho definido / e eu espalhe benefícios/ o que usaremos pra isso / fica guardado em sigilo/ apenas contigo e comigo/ e quando eu tiver saído/ pra fora do teu círculo/ não serei nem terás sido/ ainda assim acredito/ ser possível reunirmos- nos / num outro tipo de vínculo/ portanto peço - te aquilo/ e te ofereço elogios / nas rimas do seu estilo/ tempo, tempo , tempo, tempo " .
Composição musical " Oração ao Tempo" , do genial baiano Caetano Veloso , que aborda um dos temas filosóficos mais recorrentes , que é a beleza e o enigma do tempo . Santo Agostinho de Hipona ( 354 - 430 ) dizia : " que é, pois , o tempo ? . Se alguém me pergunta , eu sei . Se quero explicá- lo a quem me pede , não sei " .
A frase " não serei nem terás sido " faz referência ao filósofo Epicuro ( 341 - 270 a.C ), grego , que defendia : " por que ter medo da morte ? Enquanto somos , ela não existe e quando ela passa a existir , nós deixamos de ser " .
O assunto em pauta - música X filosofia - exige roupa de gala para ser sorvido num fim de tarde , curtindo o sol caindo nos braços do oceano , na risca , na Ponte Velha da Praia de Iracema , e com todos os apetrechos necessários:
A cabrocha, o luar , a brisa leve , a cachaça e o plangente violão, com vistas a uma libação filosófica de respeito .
Carpe Diem !